“Todas as pessoas teríamos que ser feministas, mesmo as tradutoras”, por Susana Arins

Artigo de Susana Sánchez Arins na Sega:
” És feminista?
– Sim
– Não
– Bom… / Imos ver… / Que percebes por feminista? / Sim, mas… / Eu sou humanista. / etc
Se a tua resposta é sim, quiçá o opúsculo Todos teríamos que ser feministas não seja para ti. Mesmo se respostas não podes escusar a leitura (para que? Também não estarás a ler isto, provavelmente). Mas se fazes parte no terceiro grupo, no das pessoas reticentes a dizer de boca cheia, Sim, sou feminista, embora sensíveis à questões de género, este sim é o teu livro.
Chimamanda Ngozi Adichie preparou uma palestra TED para explicar o feminismo a pessoas não feministas. E o texto dessa palestra, minimamente adaptado, foi publicado posteriormente. Gozamos da vantagem de poder ler o texto e escuitar a autora, que o modula e matiza com as suas pausas, silêncios e inflexões.
Ngozi Adichie faz um recorrido vital por momentos e experiências pessoais com os que justifica a necessidade do feminismo. Começa com o próprio conceito, feminista, que ela percebeu por vez primeira recebido como insulto. E evoca cada um dos encontros com essa palavra até chegar a se definir como uma “feminista feliz africana que não odeia os homens e gosta do batom nos lábios e dos saltos para ela mesma e não para os homens”. Já neste introito damos com uma das armas da autora para ganhar às leitoras: o humor. (…)”

Há silêncios que são diferentes, por Susana Sánchez Arins

ArtigoSusana Sánchez Arins AELG de Susana Sánchez Arins na Plataforma de Crítica Literaria A Sega sobre A cor do hibisco, de Chimamanda Ngozi Adichie:
” A tensão. Passar páginas devagar, roçando lenemente os cantos das folhas, deslizando-as amodinho para não alterar o ar requieto das estâncias. Aguardando o monstro: sabedora de que vai aparecer e desejando que não, que quiçás a autora foi esperta e o monstro é só um pesadelo. Juro que sentim tesar os músculos dos meus braços ao começar cada novo capítulo, arrastando os olhos por entre as manchinhas pretas do papel para adevinhar o nome dele, as suas palavras, as suas pancadas. E adia(nta)r-me o espanto.
A bolha na gorja. A goela de Kambili bota toda a narrativa com os fonemas engasgados, incapazes de borbulhar. Muda. Mas não sossegada. Ela quer falar e não pode. Uma espinha impede-a de proferir os sons, acumula-lhos na garganta e a mim acabam por me doerem as amendoadas amígdalas. Leio e dana-me a saliva quando a envio. Kambili admira todas as pessoas que a envoltam e podem falar. Essas que agromam palavras como abrochos novos de primavera, assim coma quem. Como é que se faz? Há tanta violência nessa privação da fala… Ela “aprendeu a arte de chorar baixinho”, a arte de calar.
O dizer não dizendo. A arte da autora. Aprendida de Kambili. Essa capacidade para contar-nos todo por omissão. Para dar a calada como explicação. Para manter o segredo á vista no meio do barulho. Mamã coxeia. Para que contar a causa. Já imos sabendo. E pouco e pouco, assim que confiamos, dizer. Dizer com todas as letras. Dar nome à brutalidade. E nós desejando não ouvir. (…)”