Sentada na butaca, por Susana Sánchez Arins

Artigo de Susana Sánchez Arins na Sega:
“Acordaram-me as índias dos filmes da tevê: ser cheroqui, ser aqui antes de chegar o homem branco. O verbo sem tempo. O verbo intemporal. Não ser passado não ser presente não ser futuro. Só ser. Nem sequer estar. Não fazer diferença. Ser e estar como sinónimos. A essência na simples permanência.
Logo loguinho caim na conta de que não, que não podia ser cheroqui, porque sempre as índias começavam com o seu exótico nome: ser águia dançante em tronada de inverno, ser cheróqui, ser aqui antes de chegar o homem branco. Nomes que levavam com eles a força do carácter, acaídos à personalidade do eu que os portava, não como os nossos, Susanas ou Marias que já nem sabemos que querem dizer. E a mulher da butaca é uma mulher sem eu. O verbo sem tempo e sem pessoa. A ausência de sim própria como essência. Ser sem ter que sem ter estar só estar sem ser quem ser quenser.
E acordaram-me as áreas de Broca e Wernicke, essas que habitam no nosso cérebro. E as suas afasias. Ser quem de pronunciar mas não ser quem de perceber. Ser quem de pensar mas não ser quem de pronunciar. Esquecer o nome mas não esquecer o verbo. Não acertar a dizer o nome mas pronunciar claramente o adjetivo. O cérebro como órgão incompreensível.
A mulher da butaca é uma mulher de língua asintática, desmorfológica, contrasilábica, e com todo e isso, absolutamente clara, inteligivelmente transparente. Eis a arte de Esther F. Carrodeguas.
No seu, poemário?, texto dramático?, brutal!, na butaca [fantasía nº 3 en Dor Maior], dá voz à senilitude, for demência, for alzhéimer. E oferece-nos uma voz tão apegada ao real, tão achegada a verdade quotidiana da velhice mais dependente, que ressoa em nós após a leitura. A sua mulher sem nome, sem eu, sem pessoa, continua gravada como um berro, uma vergonha, um escândalo público. (…)”