Carlos Taibo: “Para mim o Porto é, por muitos conceitos, uma vila galega”

Entrevista de Valentim Fagim a Carlos Taibo no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): O nosso Porto não é um guia para percursos pola cidade. O que é então? Vai-nos encorajar a calcorrear a cidade invicta?
– Carlos Taibo (CT): É uma interpretação pessoal da cidade que, com um pouco de ousadia, pode servir também de introdução ao que esta é. Ainda que sejam muitos os galegos que visitam o Porto cada ano, nas livrarias da Corunha, de Compostela ou de Vigo não tem sentido buscar uma monografia sobre o Porto. Com muita sorte, o que o livreiro oferecerá será um breve texto, em espanhol, que permite programar um fim de semana na cidade. Eu espero ter contribuído com um ensaio que permite compreender melhor o significado do lugar que visitamos. Creio que não é pouco.
– PGL: Entre os capítulos do livro, destacaria, pessoalmente, o desenvolvimento da cidade, a cidade contestatária, a turistificação, clima, comida e língua e a Galiza é o Porto. Este é um livro idealizado para leitoras da Galiza. Imaginas um leitor português? Como o encorajarias a ler o texto?
– CT: A tarefa é difícil, entre outras razões porque o que anotei há um momento sobre as livrarias galegas não pode dizer-se das portuguesas, e nomeadamente das portuenses. Há muitas monografias sobre a cidade. Mas, mesmo assim, o leitor, ou a leitora, português pode encontrar nas páginas do livro uma introdução ao Porto, uma visão singular no que diz respeito a algumas matérias precisas como as que mencionas e, também, e naturalmente, umas maravilhosas fotografias. (…)”

Susana Sanches Arins: “As cinco corujas são cinco crianças que crescem juntas, na insignificância aparente de ser menores”

Entrevista de Xiao Somoça a Susana Sanches Arins no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Cinco corujas. Que esconde este nome, quem som estas cinco corujas?
– Susana Sanches Arins (SA): As cinco corujas são cinco crianças que crescem juntas, que competem polo alimento, que se dão calor com as penugens, umas vezes, e cotoveladas para ganhar espaço outras, arremoinhadas como estão no ninho. É a imagem que me vem à cabeça quando penso em mim e as minhas irmãs e irmãos. Somos cinco, todes seguidinhes, e botamos a infância partilhando, obrigadamente, jogos e pelejas. Essa infância em comum e numa aldeia da Galiza era o que inicialmente me apetecia narrar. Os relatos têm todos esse elemento unificador: umas raparigas a crescer na aldeia do Fojo.
As corujas são também animais observadores. Têm esses olhos enormes, que são um instrumento maravilhoso para atender ao mundo, agachadas no toco do carvalho, na insignificância aparente de ser menores. Os meus olhos são míopes e presbícicos, mas sempre gostaram de olhar o mundo e tomar notas, olhar o mundo e tomar notas.
– PGL: Nas Cinco corujas há pequenas histórias que nos contam um mundo íntimo e por momentos entranhável. Quanto de certo há da Susana Arins miúda?
– SA: Nem ideia. É provável que eu escrevesse estas estórias para tentar perceber a Susana miúda. É mais, acho que a percebo melhor, e não graças ao processo de escrita mas ao de organização do livro. Foi escolhendo os relatos, o seu lugar no volume, a sua combinação com os poemas, que cai na conta de que a imagem da coruja dava bem com a meninha que eu fui.
Acho que tanto o poema que inicia o livro (A sega) como o relato d’A Corva, a compostora de Pardemarim (Sala de espera) dão a ideia do que queria contar: as vidas de umas crianças pampas no limite entre o mundo tradicional e a aculturação da modernidade. Umas crianças que não acabam de perceber o mundo em que vivem porque lhes falta a conexão, filhas que são já do capitalismo, desertoras do arado que são (ou querem ser) as suas famílias. O que não sei é se isso é exatamente entranhável (risos). Não deixam de ser as testemunhas da desaparição de todo um mundo cultural e social. (…)”

Antón Baamonde: “A integraçom económica da Galiza e Portugal pode dar lugar a futuras formas de relaçom social, linguística e cultural”

Entrevista a Antón Baamonde no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua: As relações socioeconómicas com Portugal som um dos focos do teu último livro Unha nova Olanda. Porquê?
– Antón Baamonde: Na realidade, o primeiro que me fascinou, aquilo polo qual tivem interesse desde muito cedo, foi a cidade como carácter e como espetáculo. Continua a ser assim. Parece-me difícil de entender que entre nós o imaginário urbano tenha sido, até há pouco, desatendido e desprezado. O espaço simbólico era ocupado pola visom ruralizante sem atençom nenhuma à história urbana ou aos fenómenos de hibridaçom e mestizagem suburbana. No entanto, “Celtas sen filtro”, uma comédia de Méndez Ferrín, estreada nos anos oitenta, com muito sucesso no seu tempo, caminhava por esse carreiro.
Tanto era assim que nos meus vinte anos estava abduzido pola semiótica – era um fã de Eco&Barthes&co – e se me sentava, por pôr um exemplo, nos jardins de Méndez Núñez na Corunha, ou na Praça do Marqués de Santa Ana em Madrid, ficava com os olhos esbugalhados perante o espetáculo urbano.
Os anos oitenta fôrom o momento de descolagem da moda, por exemplo, como fenómeno social de massas. Uma das consequências, que me fascinava imensamente, era observar como as diferenças de classe através da vestimenta, muito marcadas antes, se desvaneciam em grande medida. A isso colaborárom empresas galegas como Zara, Adolfo Domínguez ou Verino, que nascêrom ao abrigo dessa transformaçom simultânea do gosto, da economia e da sociologia.
Isso parecia-me progresso – a propósito disto, hoje creio que voltam a crescer essas diferenças na moda. Porém, como leitor das Mitologias estava interessado em desentranhar os mistérios da mobilidade social e os novos modos psicossociológicos da conduta de massas. O trânsito duma sociedade atrasada – a espanhola – segundo parâmetros europeus à modernidade. Tenho espírito de flâneur, sem dúvida.
Outras leituras – Simmel, Sennett, Benjamin – aumentárom o meu interesse polo fenómeno urbano em modos que seria longo explicar aqui. Mas tudo isso foi dando um substrato que me levou a tentar pensar sobre o diferente carácter das respetivas cidades galegas fundado nas diferentes histórias e especializações socioeconómicas.
A Portugal, ao Porto, fum, durante muitos anos, regularmente. Quando ainda havia fronteira, nom havia autoestrada, e era uma viagem. Estava “tão perto e tão longe”… Ia comprar livros à livraria Leitura, cear no Mal Cozinhado com fundo de fados e a dar uma volta pola Baixa. Portugal chamava-me a atençom polo ponto “british” e o carácter amável e discreto dos naturais. Essa frase de Thomas Bernhard: “Portugal é o último país educado da Europa”. (…)”

Arturo Casas: “González-Millán trata de promover avanços críticos em que se testasse de que modo as grandes teorizações pretensamente de alcance universal precisavam de um contraste rigoroso e de uma correção da mão do que estudou como “diferença cultural” e “diferença histórica””

Entrevista de Víctor Giadás a Arturo Casas no Portal Galega da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Como surgiu a ideia para este livro?
– Arturo Casas (AC): A ocasião para Cristina Martínez, Isaac Lourido e eu considerarmos a possibilidade de idear algo semelhante a este livro veio dada pelos vinte anos transcorridos desde o trágico acidente de trânsito que segou as vidas de Xoán González-Millán e Esperanza Caneda o 23 de novembro de 2002 preto dos Montes Catskills, no estado de Nova Iorque. Na altura, a perda foi extremamente sentida no mundo académico. Com pouco mais de 50 anos vividos, era muito o que se esperava ainda dele, da sua capacidade de iniciativa como catedrático da City University of New York, como diretor do Anuario de Estudos Literarios Galegos e noutras frentes em que invariavelmente agiu com entusiasmo e convicção. Também se sentiu de maneira entranhada a sua morte noutros âmbitos sociais e culturais, não só na Galiza.
Meses antes daquele cabodano chegou-nos da direção da Através a proposta de pensarmos um livro que não fosse uma homenagem rotineira. Procurava-se uma análise contrastada e vivaz da atualidade do seu pensamento. De como nos atinge no nosso presente, às portas do segundo quartel do século XXI. As co-editoras do volume, que no passado dedicámos uma série de publicações à produção teórica e crítica do autor, consideráramos com certeza a conveniência de que algo dessa natureza se materializasse, se calhar desde diversos ângulos ou perspectivas — inclusive desde diferentes instituições e entidades — e de preferência desde o compromisso crítico, para não acabar no socorrido expediente legitimador ou panegírico, aqui e em toda a parte comum pelas liturgias um bocado deshistorizantes às que nos foi afazendo a cultura da comemoração. Assim que o projeto foi realmente doado de assumir e compartilhar. Interpretámos que o que correspondia era darmos continuidade a achegas anteriores, promovidas entre outros agentes pela Asociación Internacional de Estudos Galegos ou desde o próprio Anuario.
Cousa bem diferente foi a concretização efetiva do projeto, que a equipa de edição quis que fosse bastante mais larga, coral e diversa do que afinal resultou. Até o ponto de que nos vimos na obriga de contribuirmos com algum capítulo da nossa própria autoria para complementar os excelentes contributos de Helena González, Álex Alonso, María Liñeira, Pablo Pesado e María do Cebreiro Rábade. Infelizmente, a resposta no espaço académico (local e global) e noutros limítrofes não foi a prevista. Cabe conjeturar que por um conjunto variado e algo decepcionante de razões, que comentámos com algum detalhe na introdução ao volume.
– PGL: O livro explora a figura poliédrica de González-Millán, as diversas pessoas que escrevem tencionam explicar esta múltipla visão. Existe uma corrente teórica digamos subterrânea do magistério de González-Millán representada nos autores do livro e noutras figuras da teoria galega. Qual é a importância de González-Millán na teoria e na Galiza?
– AC: Sem dúvida existe essa corrente, que não o é apenas de ordem epistemológica ou académica, mas também de afetos. Isto último já pela própria personalidade do autor, a sua cordialidade e a disposição para o traçado de redes colaborativas desde finais da década de 80, tanto na própria Galiza como na comunidade exterior, que ele tanto contribuiu para fortalecer em torno da conceição e fomento duns estudos galegos renovadores. Pelas próprias circunstâncias e dinâmicas universitárias nos Estados Unidos, Reino Unido e outros países, em especial os anglófonos, essa configuração académica e teórico-crítica foi de raiz muito mais aberta e autocrítica do que aqui costuma ser; por exemplo, no referido ao diálogo com as ciências sociais ou à inscrição última das tarefas investigativas na história literária e na filologia, algo notoriamente redutor do que aqui não damos saído.
Em tudo isto constatava-se um grande pulo inovador, mais esses estudos galegos que começaram a perfilar-se em Maine em diálogo com Kathleen March e aquela compreensão do que podiam dar de si a investigação e a docência sobre cultura e literatura galegas têm com tudo uma ligação bastante evidente com o programa do Seminário de Estudos Galegos.
González-Millán, acho que sempre com sossego e prudência, não estava a favor da erudição pela erudição, como também não estava a favor das inercias do positivismo, os caducos determinismos ou os sociologismos ancorados em práticas analíticas anteriores mesmo ao marxismo de Lukács. Conhecedor da tradição da teoria crítica e das sucessivas correntes antropológicas, sociológicas, económicas e teórico-literárias, também dos grandes debates da teoria e da filosofia políticas — com o necessário regresso a pensarmos a hegemonia e as diversas formas da dominação —, a ideia de González-Millán consistiu em tratar de promover avanços críticos em que se testasse de que modo as grandes teorizações pretensamente de alcance universal precisavam de um contraste rigoroso e de uma correção da mão do que estudou como “diferença cultural” e “diferença histórica”. Isto introduz de facto, entre outras cousas, o questionamento de uma compreensão simples do eixe centro-periferia e contribui ao desenho — do caso galego — de um modelo outro, complementário dos estudos pós-coloniais, para entender o acontecido historicamente com as culturas nacionais submetidas a minoração desde a fortaleza de um Estado que nega essa diferença. O qual complica-se no caso galego pelo extraordinário poder e projeção históricos do império espanhol — também do português, com certeza. Outro elemento fulcral da sua compreensão do mundo considero que foi a presença, dignidade e representatividade do exílio republicano.
Acredito que esse justamente é o seu maior legado para o século XXI. Útil mesmo, com limitações, como no nosso livro se constata, para uma leitura feminista da realidade histórico-cultural e dos próprios saberes e convenções académicos. E eu diria que isso tudo — incluído o convite a exercer permanentemente uma reflexividade crítica e emancipadora, uma avaliação do que se está a fazer e dos seus condicionantes e heteronomia — está de uma ou doutra forma em numerosas investigadoras que hoje continuam a ampliar os estudos galegos, tanto na Galiza como noutros espaços académicos. Neste sentido, a importância de González-Millán é máxima. Ainda não se sabe ver bem, precisamente pelo peso e densidade do fator que acabo de introduzir, um grau de autonomia (também de pensamento e análise) insuficiente em muitos sentidos para os desafios que temos à vista.
Cousa diferente a tudo o anterior seria a pergunta (pertinente) sobre a existência de uma continuidade do seu pensamento em forma de escola, corrente, discípulos que mantêm a sua compreensão do mundo, da academia, da história… Sobre isto serei categórico: não creio que haja nada nesse sentido a dia de hoje em nenhum lugar.
Para rematar, no quadro da teoria literária e cultural internacional o reconhecimento da sua produção é limitado e foi seriamente condicionado por um paradoxo: González-Millán publicou muito pouco em inglês. E já se sabe quais as consequências a esse respeito. (…)”

Teresa Moure: “A figura do Zeca é fascinante precisamente pela sua independência de critério – “eu sou o meu próprio comité central”, dizia”

Entrevista a Teresa Moure no Portal Galego da Língua:
“(…) – PGL: Como surgiu a ideia para este livro? O que vos fascina na personagem do Zeca Afonso?
– Teresa Moure (TM): Em 1972 o Zeca deu um concerto em Compostela onde cantou, dizem que por vez primeira em público, o Grândola. Embora essa suposta estreia seja bastante controvertida, o evento faz parte da memória coletiva galega, segundo demonstra a correspondente placa no Auditório da Galiza. Na primavera do ano 2021, o nosso editor galego, Ramon Pinheiro Almuinha (aCentral Folque), decidiu celebrar esse cinquentenário com alguma publicação, que ele já imaginava no formato da banda desenhada, e convidou-me para escrever o texto. Nas nossas conversas estava muito presente a ideia de olhar para o Zeca com um ponto de vista galego. Só depois, já no processo criativo, comecei a matutar na necessidade de salientar o homem, o seu retrato íntimo, sobre o vulto em que inevitavelmente se tornou.
– PGL: O que descobriram, a pesquisar para este livro, que não conheciam da vida desta personagem?
– TM: Eu confesso que foi uma descoberta imensa. Sabia do Zeca, é claro. Da sua música ou do seu compromisso político; também da sua vinculação artística e pessoal com espaços lusófonos não portugueses, como a Galiza ou Angola e Moçambique. Porém, a pesquisar sobre as suas estadias na Galiza, surgiram um par de pessoas reais que mantiveram grande amizade com ele: o músico Xico de Carinho e a jornalista Begónia Moa. Através destas duas vozes consegui aceder a qualquer coisa que não estava, que não podia estar, nos documentos históricos ou nas entrevistas: detalhes do seu caráter, formas de falar, frases realmente ditas que enriquecem o texto e permitem captar o perfil do homem. Para além disto, e com a perspetiva atual, a figura do Zeca é fascinante precisamente pela sua independência de critério – “eu sou o meu próprio comité central”, dizia quando alguém lhe pedia contas –, um aspeto que talvez fosse polémico na altura, mas que hoje, quando os espaços do político são mais difusos, pode ser revalorizado. No entanto, como mulher do século XXI, surpreenderam-me também alguns factos relativos ao seu primeiro casamento: esse dois filhos que nascem no mesmo ano apesar da difícil situação económica ou o desaparecimento da Maria Amália ao finalizar a relação e que os filhos fossem encomendados aos avós e enviados para África, tão longe dela. Não era preciso incidir demasiado nestes aspetos para não incomodar ninguém, mas tinha que mostrá-los dalguma maneira para contornar o risco de idealizar a personagem. Afinal, tecemos as nossas existências com os fios da própria época. (…)”

Tiago Alves Costa: “Corpo, identidade e língua estão intrinsecamente ligadas na experiência humana e na expressão artística”

Entrevista a Tiago Alves Costa no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): A boca no ouvido de alguém, a última novidade editorial da Através, é a primeira coletánea poética da editora, e provavelmente a primeira coletánea -que tenhamos conhecimento- que incorpora autorias de até sete países de fala portuguesa incluíndo a Galiza. Como surge esta ideia?
– Tiago Alves Costa (TAC): É uma ideia que levava há algum tempo na minha cabeça e fui enriquecendo-a com as minhas vivências de 14 anos na Galiza, bem como pelas transformações que eu próprio sofri, assim como descoberta da minha própria identidade galega. Sempre senti que seria vital unir as vozes poéticas deste mapa dialogante e de afetos das várias comunidades de língua portuguesa que nos unem, mas queria fazê-lo a partir da Galiza. Penso que, dessa forma, poderia dar outro sentido a esta antologia, revigorando as línguas, descobrindo as potências libertadoras e criando um ponto de partida para um espaço galego-lusófono real.
– PGL: Angola, Moçambique, Brasil, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Portugal e Galiza. Que encontramos em comum?
– TAC: Claro que a língua nos une medularmente, mas também a amizade, a cultura, a poesia e os afetos, apesar, obviamente, das nossas diferenças, que nos unem também. No entanto, e como menciono no prefácio, acredito que esta antologia ganha outra singularidade ao partir da Galiza, capaz de descentralizar, mas também sendo inclusiva e afetiva, provocando transgressões e fissuras e produzindo novas éticas. E acredito que essa “galeguidade” a que faço referência atravessa todos esses países. Acredito que cada poeta leva consigo um pouco da Galiza consigo.
– PGL: No prologo do livro explicas que um dos critérios na escolha das pessoas participantes é geracional, todas nasceram depois de 1975. De que forma essa data marca um antes e um depois?
– TAC: 1975 é um ano repleto de acontecimentos políticos em todos estes países. É óbvio que há aqui uma data que nos marca que é o 25 de abril, que coloca um antes e um depois. Julgo que a escolha de participantes nascidos depois de 1975 para uma antologia também deve representar uma tentativa de capturar a visão e a experiência de uma geração que cresceu em contextos históricos, políticos e sociais distintos. Cada país viveu as suas próprias transições democráticas, o que torna essa seleção importante para proporcionar novas perspetivas, temas e abordagens enriquecedoras para o panorama literário. Essa abordagem oferece às/aos leitores uma visão, desde o meu ponto de vista, mais abrangente e diversificada da literatura contemporânea. (…)”

Xandra R. Grey e Igor Lugris: “Haroldo dos Santos deixara a Antologia muito bem estruturada e organizada, mas não completamente fechada”

Entrevista a Xandra R. Grey e Igor Lugris no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Essa é uma das questões fulcrais deste livro. Quanto dos fragmentos publicados é obra das suas respetivas autoras e autores e quanto é criação, ou transcriação, de Haroldo?
– Xandra R. Grey (XRG): Não há uma resposta simples para essa pergunta. Haroldo sempre procurou ser muito respeitoso e honrado com as autoras e autores a traduzir e, especialmente, com os seus textos. O dicionário diz que o respeito é o sentimento que nos impede de fazer ou dizer cousas desagradáveis a alguém, e a honra é o sentimento do dever da dignidade de da justiça. E, com certeza, essas foram sempre ideias-força, palavras de ordem poderíamos dizer, que Haroldo sempre teve presentes, em todas as facetas da sua vida. Antes de iniciar um trabalho de tradução, e quando a autora ou autor estava ainda vivo, ou estavam ainda vivas as pessoas mais próximas que os conheceram, sempre procurou falar com elas e explicar como era que ele entendia o processo de tradução. E nunca, que nós saibamos, teve um desencontro, uma discussão nem uma polémica com elas por esse trabalho. Certo que em ocasiões houve críticos ou académicos que discordavam do seu trabalho, ou mostravam publicamente o seu desacordo com alguma das suas traduções; mas isto Haroldo sempre o entendeu como uma questão natural e normal, mesmo positiva em algum momento. Dito isto, é que podemos dizer com claridade que no trabalho de Haroldo o texto original e o texto traduzido sempre são um mesmo texto e dous textos diferentes. Ele levava até as últimas consequências a convicção, recolhida de Alberte Fabri (como explicamos na introdução do livro), de que as obras artísticas não significam, mas são.
– Igor Lugris (IL): Com efeito. Haroldo defende que é impossível na literatura separar significado e significante, continente e conteúdo, pois são completamente independentes e absolutamente dependentes. A informação estética, dirá em vários dos seus textos teóricos, é na obra literária igual de importante e primordial que a informação semântica, e, insiste, a informação estética é intraduzível: unicamente é que pode ser transcriada. A transcriação é para Haroldo um exercício que deixa fora elementos chave na criação, como pode ser a procura da originalidade ou as marcas (léxicas, sintáticas, mesmo semânticas) que refletem uma voz pessoal e distinguível. Marcava uma fina pero sólida linha entre a criação e a transcriação: nos seus textos próprios, procurava a sua voz, o seu estilo, mas nos trabalhos de transcriação procurava “ser” um outro autor, o mais próximo possível do autor ou autora original. Em mais de uma oportunidade explicou que a sua pretensão era “ocupar” a personalidade do autor original, mas transmutado em falante de português. Não sempre lhe resultou fácil. Olhemos para o fragmento de Pierre Menard recolhido na Antologia: “A originalidade é impossível / e só possível por ser / com certeza / mentira”. Toda uma declaração de intenções por parte de Haroldo.
– XRG: Podemo-lo ver, por exemplo, com um dos textos da Antologia. O texto de Anne Mary Morrisson (que Haroldo traduz em 1977), é deliberadamente confuso e incompreensível no original inglês. A estrofe final é especialmente obscura, e Haroldo, que não gostava especialmente do hermetismo ininteligível, opta por manter essa dificuldade: qual é a diferença entre ser incompreendido e ser não compreendido? O poema original vai oscilando entre “misinterpret” e “misunderstood” e Haroldo decide complicar deliberadamente o texto, para achegar-se à pretensão da autora. A tradução final foi aplaudida pola própria Anne Mary Morrison, que uns anos mais tarde modificará o seu texto para recolher em parte a interpretação de Haroldo.
– PGL: Qual é a vossa opinião sobre o resultado da Antologia? Achades que Haroldo estaria satisfeito com o Livro alheio?
– IL: Eu penso que sim, estou convencido. Todo o tempo que Xandra e eu dedicamos a esta edição serviu para conhecermos em profundidade a Haroldo: como tradutor, como autor, como artista, como pessoa… Em algum momento de todo este processo, mesmo fazíamos piadas sobre que realmente estávamos a nos converter em uma só pessoa: por momentos, parecia que Haroldo, Xandra e eu éramos um só, uma pessoa diferente, independente e consciente da sua existência. E isso foi porque conseguimos introduzir-nos dentro da obra de Haroldo. Mesmo poderíamos dizer que dentro de Haroldo. Chegamos a reproduzir a sua técnica de trabalho e realmente, como ele fazia, “ocupamos” a sua personalidade.
– XRG: Estou convencida de que tanto Igor como eu tivemos realmente problemas em algum momento para distinguir as nossas personalidades: é por isso mesmo que decidimos assinar o trabalho conjuntamente e não distinguir a parte de um da parte da outra. Todo foi feito em conjunto, revisado, repassado, corrigido, modificado… até chegarmos a ser uma única voz com quatro mãos. Direi mais: até chegar a ser uma única voz com seis mãos, de contarmos também com as de Haroldo. É por isso que fechamos assim a nossa introdução, convencidos de ter elaborado entre os três um livro de livros, um poema de poemas, uma voz de vozes. (…)”

Lorena López: “Cumpre não só repararmos na questão da visibilidade, mas em como se visibiliza, que se salienta, que se esquece ou que achegas ficam ocultas e por que”

Entrevista de Daniel Amarelo a Lorena López no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Este trabalho nasce da tua tese de doutoramento na Universidade de Bangor, no País de Gales. Como surgiu a ideia, o tema e a focagem da investigação? Que te levou a indagar nesta questão? Ajudou esse contexto diaspórico a desenhar a tua proposta ensaística?
– Lorena López (LL): Os estudos literários com perspetiva feminista interessaram-me sempre e já trabalhara sobre a narrativa das autoras no TIT (Trabalho de Investigação Tutorizado) que fiz na USC, mas de uma ótica mais historiográfica e focada na produção dos anos 80 e 90. Depois dito o desafio para mim era ir além e tentar compreender determinadas dinâmicas que estavam a ter lugar naquela mesma altura, já iniciado o século XXI.
O meu tempo na diáspora ajudou-me, em primeiro lugar, com as condições materiais e humanas que me facilitou a Universidade de Bangor e em concreto o Centro de Estudos Galegos ali. Ainda não se fala o suficiente da precaridade em que está sumido o trabalho de pesquisa aqui, nem do solitário que pode resultar o caminho da tese. Por outro lado, durante esse tempo fora aprofundei mais no âmbito dos Estudos Culturais que me forneceu de ferramentas teóricas mui diversas à hora de analisar a prática literária. Além disso, acho que também foi produtiva a perspetiva que às vezes dá a distância, embora o difícil que é a emigração.
A escolha dessas quatro autoras, é claro, não é casual. Pessoas com estilos de escrita diferentes, temáticas diversas, períodos de publicação em ocasiões afastados e até normativas distintas. Mas qual o fio condutor entre todas elas? Sendo mulheres, quais os pontos de encontro e desencontro destas autoras com o género e a nação no nosso contexto cultural particular e subalterno?
Efetivamente, as suas propostas literárias são mui diferentes. Diria que o único que partilha a narrativa das quatro é a ótica feminista, mas materializada de jeitos mui diversos na sua literatura, nisto cumpre insistir.
Porém, o que mais me interessou da sua prosa foram os desencontros. Por exemplo, o jeito crítico em que Ledo Andión se achega à história do nacionalismo desde dentro para o desmistificar e questionar os discursos mais conservadores e essencialistas dentro dele. Cousa que também faz Janeiro em A perspectiva desde a porta ou Teresa Moure no livro de poemas Eu violei o lobo feroz, que falam do independentismo e da repressão de Estado contemporânea. No caso do género resulta mui sugestivo como as três revisam as masculinidades no âmbito da política. Por outro lado, Pavón artelha histórias onde estas questões se entrecruzam com a filosofia e com a tecnologia através de uma focagem positiva mui pouco frequente. Nos seus romances encontramos uma noção da identidade mais porosa e afastada do dicotómico que jogam também com formas alternativas, como o vampirismo ou as máquinas conscientes. E também existem muitas capas de leitura na produção de Moure. Mais além do tema da normativa que analiso na sua trajetória posterior ao 2013, o que mais destacaria da sua última narrativa são os jogos meta-literários e a reflexão acerca da escrita. A isto soma-se uma construção autoral que vai no contra de leituras sobre a escrita das mulheres que acabam funcionando como tópicos limitantes.
– PGL: No livro falas de ângulos ou pontos cegos na literatura galega contemporânea escrita por mulheres e, provavelmente, é esta uma das apostas do ensaio mais centrais e importantes. Que sentidos encerra este conceito? Como tem funcionado?
– LL: Embora o livro faça alusão às margens no subtítulo, a ideia de ângulos cegos responde melhor àquilo que me interessava estudar. Às vezes não é uma questão de figuras ou discursos que em geral sejam totalmente invisíveis, mas das abordagens concretas que deles se fazem.
Podemos exemplificá-lo voltando à questão nacional: esta sempre foi um tema central na produção literária galega, mas a perspetiva particular que adotam Ledo Andión e Janeiro resultou incómodo por olhar para zonas que ficam na sombra. Isto não foi devido somente à sua focagem feminista porque outros romances que incluem estes elementos gozaram de uma receção mais positiva ou foram postas em valor posteriormente. O mesmo acontece no caso dos romances de Pavón em relação à literatura fantástica ou no caso concreto da ficção científica, um terreno pouco visível de seu. Neste subgénero acolheram-se muito melhor as histórias distópicas doutras narradoras do que a sua ficção especulativa. Por outro lado, ninguém irá dizer que Ledo Andión ou Moure são figuras invisíveis na cultura galega, mas precisamente por causa disso chama a atenção que parte da sua produção passe totalmente despercebida. Acho que a noção dos pontos cegos auxilia a análise porque não se move em dicotomias absolutas e pode abordar essas zonas cinzentas, que explicam muito do funcionamento do campo literário. (…)”

Entrevista a Victorino Pérez Prieto no Portal Galego da Língua

Entrevista de Valentim Fagim a Victorino Pérez Prieto no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): O teu processo para te tornares galego-falante está vinculado ao bacharelato e, sobretudo, com a tua decisão de te tornares sacerdote.
– Victorino Pérez Prieto (VP): Aos dez anos fui a Compostela para fazer o Bacharelato no seminário de Belvis. Ali vivi menos essa repressão do galego na escola; fui aprendendo-o mais, escutando os amigos fora das aulas e lendo os primeiros textos na nossa língua. Ao concluir, depois dum entusiasmante COU experimental, onde comecei a tomar gosto ao estudo, fui a Valladolid para estudar Arquitetura, onde o galego estivo totalmente ausente. Pero num verão, após uma profunda conversão religiosa, deixei esses estudos e entrei no Seminário de San Martinho Pinario, para fazer os estudos eclesiásticos de Filosofia e Teologia.
De novo em Compostela, mudou a minha perspetiva. Deixei a minha vida burguesa, e, no compromisso com a causa libertadora de Jesus de Nazaré e do Evangelho, cheguei à realidade da Galiza como um povo com uma língua e uma identidade própria. Compreendi que, se eu queria servir esse povo, tinha que defender a sua língua e a sua identidade e comprometer-me no seu desenvolvimento sociopolítico. Por isso, desde o começo tomei a decisão de falar sempre em galego, sobretudo em publico. Era uma postura fundamentalmente ética; e nela fui mais consequente e radical que mesmo os meus companheiros que falavam galego de nascimento. Esta postura alimentou-se com a leitura de Castelao, Otero Pedrayo e outros velhos galeguistas; e ao mesmo tempo com os meus contactos com o nacionalismo, sobretudo com os estudantes da ERGA. (…)
– PGL: Na hora de criar textos em galego, o português servia como referente? Em geral, que relação havia com a sociedade portuguesa e com o português nos movimentos cristãos mais galeguistas?
– VP: Nos começos não, os textos para a liturgia que fazíamos e as revistas em que publicávamos –o semanário Irimia, da qual fui doze anos diretor, e a revista bimensal Encrucillada– fazíamo-lo no galego normativo, como as colaborações que tinha noutras publicações como o semanário A Nosa Terra e outros, e diários como El Progreso.
Os textos para a liturgia começaram a fazer-se em galego-português com Martinho Montero Santalha, companheiro na diocese de Mondonhedo-Ferrol; foi uma opção que não muitos compreenderam, sobretudo pela dificuldade para ler que supunha para as pessoas. A relação dos cristãos galeguistas com o reitegracionismo era, em geral, escassa e tirante; alguns amigos temos debatido arduamente sobre isto em Encrucillada defendendo publicar textos em reintegrado e mesmo em português. No meu livro Galegos e cristiáns (Vigo 1995) falei de Martinho e do que chamei carinhosamente “O outro galeguismo cristián”: Isaac Alonso Estraviz (que já publicara nessa ortografia o livro dos Salmos e outros textos), Joám Trilho, Antom Gil Hernández, Maria do Carmo Henríquez Salido, Joam José Santamaria, etc. Com eles começamos a relação com o português, ainda que eu já tivera relação com a Igreja portuguesa em encontros anos atrás. (…)”

Carlos Taibo: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”

Entrevista de Diego Bernal a Carlos Taibo no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Há algumha novidade nesta 3ª ediçom a respeito das anteriores?
– Carlos Taibo (CT): As novidades são três. Uma delas é que o livro foi objeto duma profunda revisão linguística que fez que os meus problemas com a versão portuguesa da língua comum, que não são menores, recuassem um bocadinho. Mudou, por outra parte, a capa e acho que o resultado foi bom, por não dizer que foi muito bom. Escrevi, enfim, um novo prólogo que em essência deseja atualizar a bibliografia que, sobre a vida do poeta, foi publicada nos últimos doze anos. Sigo a ler tudo, ou quase tudo, o que se publica a respeito.
– PGL: Umha das faces menos conhecidas de Pessoa é a dos seus vínculos com a Galiza, quer no plano familiar –tem antepassados no concelho de Serra de Outes— quer no plano intelectual. Achas que devia haver um maior reconhecimento público destes vencilhos?
– CT: Esses vencilhos não são –há que reconhecê-lo- muito fortes e conduzem a etapas afastadas no tempo. Talvez teria mais interesse mergulhar nos escritos políticos em que Pessoa reflexiona sobre a condição e o futuro da Galiza. Não deixam de incluir sugestões merecedoras de atenção, em espera, por demais, da publicação de possíveis materiais inéditos.
– PGL: Esta obra nasceu graças ao abrigo de umhas palestras que nunca chegárom a acontecer. Mas quando é que nasceu o interesse do Carlos Taibo por Pessoa?
– CT: Nem eu mesmo sei. Em finais da década de 1970 já lera Fernando Pessoa mas não lembro que deixasse em mim uma pegada notável. Talvez foi a leitura das cartas enviadas pelo poeta à sua efémera namorada, Ofélia Queirós, a que provocou um interesse repentino. Acontece amiúde no meu caso que as aproximações às matérias importantes chegam ao abrigo do que num primeiro olhar é aparentemente anedótico. (…)”