Das filhas bravas ou das cantigas acendidas, por Susana Sánchez Arins

ArtigoSusana Sánchez Arins de Susana Sánchez Arins desde a Plataforma de Crítica Literaria A Sega:
“(…) E uma tarde do mês de julho assomou, na eira de Solheiros, no Esteiro de Muros, cantada polas filhas bravas de Chévere. Porém já não era um canto alegre e dançável, já não se aparecia como engenhosa sedução mas como luita calada entre forças desiguais. Porque As Filhas Bravas decidirom que fazia parte duma regueifa entre um abusador sexual e a sua vítima, mulher à que quiçás não lhe reste mais que o seu engenho literário para se defender, ou, quando menos, para deixar pegada da agressão. A regueifa resultou seca, brutal, e foi acompanhada com um duro silêncio polas mesmas espectadoras que segundos antes riavamos a cachão. Quantas dessas espectadoras não se sentiriam identificadas com a voz feminina que se defende como pode? Não sei, porém em mim esse silêncio na eira ainda ecoa.
Essa é a força do novo espectáculo de Chévere, a mudança (ou a inclusão, melhor) do foco no tratamento das cantigas tradicionais, contextualizadas desde uma perspectiva de gênero. As ventureiras protagonistas, filhas das silveiras, definem-se como mulheres livres, donas de si e da própria sexualidade e convidam às presentes a conhecer toda a simbologia que oculta, ou desvenda para quem saiba interpretar, o cancioneiro tradicional. A obra está dividida em três partes, nas que as protagonistas fam um recorrido por jotas e moinheiras, maneos e regueifas dando sentido aos elementos sexuais latentes nos versos, cantigas de tom acendido, esclarecidas com grande humor polas três marias que presidem o cenário. E não descrevem uma sexualidade capada para fazê-la acesível a qualquer público, mas uma sexualidade aberta e impúdica e, sobre todo, gozosa e autónoma. (…)”