Susana Sánchez Arins: “É tal a brutalidade da repressão, que é um insulto que os repressores tenham o direito de permanecer no anonimato”

EntrevistaSusana Sánchez Arins de Montse Dopico a Susana Sánchez Arins en Praza:
seique, o novo livro de Susana Sánchez Arins, é uma história familiar. E, além disso, uma microhistória da repressão. Un relato descarnado da brutalidade franquista. Contado, por uma vez, desde o lado da família dos vitimários. Sem concessão. Com toda a dureza. seique (Através editora) reflexiona sobre o jeito em que a história se desescreve. Sobre a violência. Sobre a repressão fascista que ficou agachada por exercer-se no ámbito familiar próprio e, subretudo, contra as mulheres. E sobre a necessidade de reivindicar que quem caussou tanto dano não têm direito ao anonimato. Mesmo que seja da família de uma. Porque de nada serve o silêncio.
– Praza (P): Quando começas a ler parece só um relato de história familiar. Mas é mais do que isso. Um livro ademais muito valente, por tratar-se da tua própria família, que poderia incomodar-se, e muito.
– Susana Sánchez Arins (SSA): Poderia passar, sim. Bom, eu sou da família indireta, e nem sequer conhecim o tio Manuel, polo que não sinto essa empatia ou pudor familiar. A valentia aí não é tanta. E sim, aos descendentes diretos pode incomodá-los, suponho. Mas acho que também têm que falar as famílias dos vitimários. Não podem ficar caladas para sempre, nem guardar informações que podem ajudar às descendentes das vítimas. Porque há que dar um passo adiante e resolver o tema da memória histórica. Não pode ser que só falem as famílias das vítimas, e sempre com medo de incomodar. (…)
– P: Salientas, por outra parte, a força do agrarismo, do anarquismo, do sindicalismo em geral. A história do povo galego que lutou pelos seus direitos.
– SSA: Passara-me há anos, ao conhecer um livro que escreveu Xosé Carlos Garrido Couceiro sobre Manuel García Barros. Por esta obra soube do movimento agrarista na comarca de Taveirós. Eu tinha a ideia de que o da Estrada era um povo apoucado, de direitas, -é o que tem ler o mundo nas contas eleitorais- e dei-me conta de que na entrada do século XX lutara muito. Depois encontrei o mesmo no Salnés. A câmara municipal de Meis era também um espaço agrário fortemente sindicalizado. E havia canteiras, ademais de lavradores, o que afortalava o associacionismo operário. Agora trabalho na Arouça, e sei pelas investigações de Dionisio Pereira que o sindicalismo marinheiro era muito forte. A questão é que a repressão foi um genocídio programado contra a força enorme de um povo trabalhador que estava a lutar pelos seus direitos. Querem convencer-nos de que somos um povo dormido que preferiu emigrar que lutar. Mas não é verdade. (…)
– P: A violência vai tendo mais presença à medida que avança o livro. E, além da repressão, aponta a isso: a violência humana, que mistura as tendências individuais com as do sistema.
– SSA: Há muita violência no livro, mas a realidade foi mais brutal ainda. Está suavizada, não porque eu o decidisse mas por tê-la narrado partindo de fontes documentais, não orais. A Ramón Barreiro não lhe cortaram um dedo, como conto no livro. Cortavam-lhe um dedo cada dia, e escrevia notas para seus pais dizendo que estava vivo e que estava bem com os dedos que lhe restavam. E isto sei-no porque ainda não há dez dias que lho escutei contar à sua sobrinha Elena, que lho narra a Montse Fajardo no livro Un cesto de mazás. É tal a brutalidade da repressão, que me parece um insulto que os repressores tenham o direito de permanecer no anonimato. Eu não quis ser sádica nem exibicionista na exposição da violência, era uma cousa que me preocupava ao escrever e buscar o tom da narrativa, mas também não queria ocultar a realidade.
Penso que há condicionantes que favorecem ou apagam a violência. Há gente que tem tendência ao mal, mas depende do entorno no que se desenvolve e constrói como pessoa fomentá-lo ou impedi-lo. Por isso é muito importante que haja sistemas democráticos, com as liberdades e direitos garantidos. Porque o que fazem os sistemas autoritarios e ditatoriais é facilitar que as pessoas ruins exerçam a ruindade. E isso passou com o tio Manuel. Pôde exercer no campo político a violência que exercia já contra a sua família. Uma democracia com liberdades, direitos e justiça garantidos pode conter a violência que todas as humanas levamos dentro. O franquismo deu-lhe o poder a quem levava dentro a brutalidade e a vontade de dominar as outras. (…)”