Alva Martínez Teixeiro e Carlos Paulo Martínez Pereiro publicam coletânea de Machado de Assis na Através Editora

Entrevista de Luigi Cavaliere Martínez a Alva Martínez Teixeiro e Carlos Paulo Martínez Pereiro no Portal Galego da Língua:
“(…) As histórias do futuro de Machado de Assis. Uma novela e vinte e quatro contos que contam é o título do último livro editado na Através. Uma proposta especial, que inaugura a coleção Através do Brasil. Esta coleção inaugura-se com um clássico e referência da literatura brasileira, numa coletânea cuja seleção, edição e estudo ficaram a cargo da professora Alva Martínez Teixeiro e do professor Carlos Paulo Martínez Pereiro. Falamos com Alva e com Carlos Paulo.
– Portal Galego da Língua (PGL): Primeiramente, gostaria de saber como se deu o primeiro contato de vocês com a obra de Machado de Assis.
– Carlos Paulo Martínez Pereiro (CPMP): Foi fruto do acaso. Na adolescência, na década de 1970, um vizinho que voltou de Cuba, facilitou-me uma tradução latino-americana das Memórias póstumas de Brás Cubas e fiquei fascinado. Daí para a frente, foram 50 anos de tirar do extraordinário fio machadiano, a começar pelo Humanitismo da delirante figura de Quincas Borba e da sua filosofia, sintetizada no desvairado lema darwinista “Ao vencedor, as batatas”.
– Alva Martínez Teixeiro (AMT): No meu caso, foi uma descoberta na biblioteca familiar, mais ou menos, na mesma altura (na adolescência, mas nos últimos anos do século XX): primeiro, das Memórias póstumas de Brás Cubas e, a pouco e pouco, das obras menos (genialmente) irónicas de Machado de Assis. Foi uma descoberta e um encantamento com o Machado satirista, a poética da subtileza do excesso de teor swiftiano e a sua extraordinária criatura, o cínico Brás: ele é tão, tão, egoísta que todos identificamos nele defeitos dos outros, mas ninguém se pode identificar com ele.
– PGL: Machado de Assis é amplamente reconhecido por seus romances, como Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro. No entanto, sua produção literária é muito mais extensa e diversificada. Para aqueles que ainda não conhecem sua obra, por que começar pelos contos seria uma boa escolha?
– AMT e CPMP: Em especial, consideramos que seria uma boa escolha porque estimulam qualquer prazer da leitura. Além disso, gostaríamos de destacar também que os contos foram, para Machado de Assis, uma espécie de laboratório textual, onde foi testando – com enorme sucesso – o experimentalismo narrativo, as possibilidades das modulações do cómico – do satírico ao irónico – e a capacidade reflexiva do texto literário a respeito da condição social e existencial do ser humano. Portanto, os contos são uma boa ‘porta de entrada’ para os textos mais extensos e conhecidos de Machado, pois condensam em excelência todas as suas virtudes da sua maior e melhor escrita.
– PGL: É possível identificar diferentes fases na trajetória literária de Machado de Assis: uma primeira, de caráter mais romântico e menos conhecida, e uma segunda, marcada pelo realismo e naturalismo. Os contos e a novela incluídos nesta edição pertencem, cronologicamente, a qual momento da vida e da produção do autor?
– AMT e CPMP: Todos eles, tanto O Alienista, quanto os contos, integram-se na fase de maturidade de Machado de Assis, ‘pós-Brás Cubas’. Propositadamente, selecionamos apenas textos desse período, em que a escrita de Machado se distancia dos princípios ‘de escola’ para se tornar expressão de um grande pensador heterodoxo, cómico, mas ‘com rabugens de pessimismo’. É interessante pensar que até hoje os historiadores e estudiosos da literatura experimentam um certo desconforto e dificuldade ao tentar classificar essa escrita ‘pouco ortodoxa’, que acordaram denominar ‘realismo machadiano’, isto é, um realismo-outro, evoluído, porque, Machado, na verdade, se serve das convenções do Realismo para subvertê-las e sugerir que a complexidade do real não pode ser ‘fechada’ num texto acabado, perfeito e com ‘lição moral’. (…)”

Carlos Taibo: “O Porto é uma cidade galega”

Entrevista de Tiago Alves Costa a Carlos Taibo en Quiasmo:
“(…) – Quiasmo (Q): Carlos, publicaste recentemente O Nosso Porto pela Através Editora. O que te levou a escolher a cidade do Porto como tema central desta obra?
– Carlos Taibo (CT): Sempre gostei do Porto. Creio que os escritos de Miguel Torga reproduzem de maneira razoável a minha visão da cidade. Além disso, boa parte do meu conhecimento da literatura portuguesa tem a ver com o Porto. E, ainda que às vezes os habitantes da cidade possam parecer antipáticos – algo comum nas cidades de cariz industrial e comercial –, eu encontrei sempre gente muito próxima.
– Q: Como foi o processo de pesquisa e escrita?
– CT: Foi uma combinação de conhecimentos pessoais adquiridos durante décadas e leituras mais ou menos especializadas. Descobri, ou vi com outros olhos, o Porto oriental, o da Manchester lusitana e as suas ilhas. Foi um processo que me permitiu redescobrir a cidade, não apenas como um espaço físico, mas como um lugar de memórias e identidades em constante transformação.
– Q: Sendo galego, sentes que vives o Porto de uma forma diferente?
– CT: Para mim, e por muitos conceitos, o Porto é uma cidade galega. Dessa visão participam a chuva e a névoa, mas está também presente uma velha ideia que tem a ver com a Gallaecia romana, o alicerce de tantas coisas, que terminava no Douro. Esta ligação histórica e cultural faz-me ver o Porto não como uma cidade estrangeira, mas como uma extensão natural do meu próprio território.
– Q: O livro aborda questões contemporâneas como a turistificação e os preços dos alugueres. Na tua visão, como a Galiza e o Norte de Portugal enfrentam estes desafios? Existe um caminho para equilibrar a preservação da identidade com as pressões económicas globais?
– CT: Suponho que existe, mas é difícil de encontrar. Parece-me que o velho Porto é irrecuperável. De qualquer maneira, o problema é mais geral e fala da necessidade de outorgar muito maior relevo à cultura e de defender, em muitos âmbitos, as práticas do decrescimento. Acredito que só através de uma consciência coletiva e de políticas que privilegiem o local sobre o global poderemos encontrar um equilíbrio. (…)”