O deserto é infinito, por Susana Sánchez Arins

DesdeSusana Sánchez Arins AELG A Sega:
“(…) O deserto [de María do Cebreiro] fala-nos da tronçadura sem marca, dos golpes sem hematoma à vista que destroem o mundo. Fala das catástrofes apagadas, como onda que desaparece os castelos na praia, chuva que dissipa as pegadas dos nossos passos, lava que calcina quanto vivemos.
E ao tempo, o deserto [re]constrói. Porque uma palavra escrita chegará para salvar-nos. Entrar no deserto é voltar à casa, recolher-se no íntimo. Sentir que o que acontece baixo a súa pel é o que acontece baixo a pel do mundo. E encontrar o coração, esse cadelinho adestrado, sabendo que não foi aniquilado, que sobreviveu à cirurgia e ao post-operatório.
E atravessamos o deserto e pechamos a última duna, ou página, não sabemos, e duvidamos. Lemos a crônica de um retiro, o livro do desamor, a descoberta da paixão, ou todas essas cousas: a forma mais brutal da plenitude.
Eu, leitora indigna, fago como aquelas personagens do filme, e lendo os versos d’O deserto, o conto dos cervos que são água, o Deucalião do casal que abrolha pedras, vejo os corpos sepultados polo Vesúbio. Restituo os vínculos, todos, entre as palavras. (…)”