Entrevista a Carlos Quiroga no Portal Galego da Língua, sobre A imagem de Portugal na Galiza:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Contudo, é inegável que, polo menos para certa parte da população, Portugal tem significado um fetiche de cultura e custódio da língua. Poderíamos falar de termos pecado de certo sebastianismo?
– Carlos Quiroga (CQ): Certo. Os ‘Iagos’ da peça, a outra ponta da polaridade, é a minoria que gosta de «portuguesadas» e para quem Portugal tem sido uma espécie de Paraíso perdido. Parte da consciência da Galiza, pequena, teima em reverter as consequências de circunstâncias históricas concretas que a separaram de Portugal. Uma minoria que tem achado nessa ligação um ponto de apoio fundamental para construirmos a nossa identidade. E aí ativa-se realmente e de novo, mas à inversa, a mesma chave: Portugal recorda para essa minoria a ancestralidade das marcas em que está interessada, e talvez tenha esperado de Portugal cumplicidade, entendimento, olhar redentor. Mas obviamente o estado lusitano está noutra, esquecediço de um passado histórico e ciente dos seus problemas atuais –que qualquer iniciativa de proximidade da sua parte à Galiza, fora do quadro euro-regional, só poderia incrementar! (…)
– PGL: Dadas estas relações, que lugar ocupa hoje Portugal no imaginário galeguista?
– CQ: Portugal foi um signo potente no imaginário galeguista, talvez fundamento até da própria natureza dele. Mas temo que hoje, se ocupa algum lugar –no que seja possível chamar de galeguismo atual– é apenas retórico ou residual, zero.
– PGL: Neste sentido, o galeguismo histórico, antes do regime franquista, tinha com Portugal as mesmas relações que apresenta agora?
– CQ: Um século atrás, como já apontaram bastantes trabalhos sobre o assunto e se resume na epígrafe “Portugal redentor na lusofilia de princípios de século”, o galeguismo incipiente entusiasmou-se com Portugal. É o tempo das «Irmandades da fala» (1916), de Nós (1920), do «Seminário de Estudos Galegos» (1923), é a altura de Risco, Viqueira, Vilar Ponte, Pedrayo. O movimento procede de finais do século XIX e podem-se discutir intensidades, mas todos os estudos coincidem em que nunca como neste momento se tinha feito um esforço deste tamanho. As duas primeiras gerações de intelectuais galegos do século XX voltam os olhos para Portugal encarado em prolongamento fraterno. Nesta altura histórica existe ademais reciprocidade, por coincidir e sintonizar com a geração portuguesa organizada à volta da A Águia, que acaba por gerar o movimento Renascença Portuguesa de grande amplitude. A correspondência intensa entre Teixeira de Pascoaes e Risco, as visitas, o saudosismo, representam não só afinidades individuais, pois a proliferação de declarações públicas a favor da aproximação e conhecimento das duas culturas, a organização de eventos conjuntos, as homenagens cruzadas a personalidades galegas e portuguesas, os atos de confraternização, o estabelecimento de intercâmbios e acolhimento de intelectuais como membros de número em instituições de um e outro lado, ilustram o início de uma aventura de entendimento coletivo inédito entre os dois povos. Jornais e revistas portuguesas recebem colaboração galega e o mesmo acontece nas publicações deste lado. Enfim, uma época seguramente irrepetível. (…)”