Susana Sánchez Arins: “Estou orgulhosa de que a Através já não seja o espaço único que nos resta às autoras reintegracionistas”

Entrevista a Susana Sánchez Arins no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Parece teres certa predileção pela combinatória de géneros, como já vimos com o seique. Tu contas e eu conto é um livro que contém poesia e narrativa. Umas vezes parece que os poemas estão escritos para os contos e outras que é ao invés. Podes contar-nos um bocado sobre o processo criativo e a decisão de unires num mesmo texto diferentes géneros?
– Susana Sánchez Arins (SA): Alguns dos poemas, como o de “política assistencial”, nasceram da estória que só depois decidi narrar em prosa, e pensei que deviam acompanhar-se, partilhar espaço, assim como mostra de respeito pola ideia primeira; depois nasceram estórias que eu não sabia se ficavam transparentes e pensei em colocar-lhe o poema para marcar aquilo que me interessava, ou oferecer outra visão do mesmo tema, ou mesmo contradizer o discurso dalguma personagem ou narradora. Em realidade, a medida que compunha o livro, vi que umas e outros pediam o acompanhamento: a estória, da síntese poética, o poema, duma estória que o estendesse.
E a cousa é sempre assim, não há vontade inicial minha de fazer cousas raras, juro, mas no processo de escrita encerelho-me, os textos tiram, eu puxo (“não, não, quero escrever normal, deixai-me, deixai-me!”), e sempre acabam por ganhar-me a partida.
– PGL: Formalmente o teu livro tem esse teu tom humorístico, ameno e mesmo oral. Porém, do ponto de vista do conteúdo impera a violência, que se manifesta de muitos jeitos (simbólica, institucional, machista…). É este um livro sobre a dor?
– SA: Não penso que seja um livro sobre a dor, mas sobre a vida. Eu pretendia escrever sobre o quotidiano, e foi no quotidiano que a violência entrou, entra. E quase sempre é essa a violência que fica sem narrar, porque as que interessam são as grandes, as maiúsculas, as públicas. E são estas privadas as que esquecemos porque não são contadas.
Acho que há muito humor nos textos, e que esse humor convive com situações de violência, mais ou menos brutal, mais ou menos subtil. Acho que assim são as nossas vidas. É com certeza o humor, junto com a tenrura (amor, diriam outras), o que faz que possamos erguer-nos, e continuarmos a ser pessoas, por cima dessa violência que sofremos ou presenciamos dia a dia. Isso é o que queria contar. (…)
– PGL: Tenho entendido que tens outros projetos em processamento… Podias-nos adiantar alguma coisa?
– SA: Ai! Devo-me à discrição! Mas posso dizer que estou muito contente porque os dois mais imediatos tenho-os comprometidos com editoras que não são a Através. Quer dizer, estou orgulhosa de que a Através já não seja o espaço único que nos resta às autoras reintegracionistas. Que haja outras editoras que publiquem obras nossas sem comentar nada, por desnecessário, dos nossos nh. Sem sugerir a possibilidade, sequer, de mudar a ortografia. Encontro isso prova dum caminho, pode que lento, mas inexorável, para o binormativismo. E orgulha-me fazer parte.”