Entrevista de Valentim Fagim a Teresa Moure no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): No prólogo do livro [Linguística eco-], da autoria de Moreno Cabrera, ele começa a indicar que a autora está comprometida com a defesa da diversidade linguística sem esta inclinação afetar a fotografia da realidade que mostra. Foi uma dificuldade transitar por essa aparente corda frouxa?
– Teresa Moure (TM): Sempre digo que não tenho vocação de linguista. Em absoluto. Foram uma série de circunstâncias curiosas e o acaso que puxaram de mim para estudar filologia. Depois, já cometido o pecado, só ficava a hipótese de me afastar da literatura: estava convicta de que queria escrever e, portanto, convinha extremar a cautela com a dissecção literária e dirigi os meus passos para a linguística geral. Nesse contexto, um bocadinho de rebeldia como ingrediente psicológico, um contexto nacional construído sobre a ferida e sobre a negação de nós e o clima na faculdade nos ’90, mais abertamente político do que o atual, tornaram-me em ativista. Não tenho que balançar-me na corda bamba; as tensões fazem parte de nós, mas sou mais ativista do que fotógrafa da realidade, seguindo a imagem de Juan Carlos Moreno Cabrera.
Tenho a fortuna, porém, de que no momento atual só seja possível fazer uma fotografia digna de ser considerada realista mostrando a crua realidade que o ativismo denuncia: padecemos uma devastadora perda da diversidade linguística e cultural. Hoje é aceite o cálculo que prognosticava Michael Krauss em 1992: para o fim do século XXI, 90% das línguas da humanidade terão desaparecido. Às vezes, no âmbito dos estudos de género, indico que não sou feminista como consequência de ter nascido mulher; quero acreditar que seria igualmente feminista encapsulada em qualquer outro tipo de corpo porque para mim se trata dum assunto ético. Da mesma maneira, não sou ativista ecológica e ecolinguística movida pelo único interesse de defender a minha língua (o qual, aliás, seria perfeitamente legítimo). Acho que todas as línguas são património cultural da humanidade e a sua perda faz com que o mundo seja um lugar menos criativo e interessante; um lugar que corre o risco de ser morada do pensamento único. As pessoas que são falantes de línguas não ameaçadas também devem comprometer-se com a defesa da diversidade; é urgente que o façam.
– PGL: No livro desafias a pessoa leitora para tomar consciência da seu desempenho em geografia linguística. Somos assim tão eurocêntricas?
– TM: Acho que somos absolutamente eurocêntricas. Decidimos, por exemplo, estudar as línguas fortes dos estados próximos (inglês, francês, alemão ou italiano). Embora haja ascensões e descidas como resultado de modas, poucas vezes escolhemos línguas doutras áreas geográficas. Nas aulas peço ao estudantado para documentar as unidades ou fenómenos linguísticos que estuda em línguas não europeias porque, ao estudarmos línguas, tendemos a dar por universais os fonemas oclusivos, o género feminino ou os adjetivos qualificativos porque existem, precisamente, nas línguas europeias. Nisso não nos comportamos de maneira diferente do colonizador castelhano ou português do século XVI que, na versão erudita dos missionários, procurava as categorias do latim nas línguas aborígenes que aprendia com aquele esquisito objetivo de traduzir a Bíblia e fazer realidade o verdadeiro objetivo do imperialismo: colonizar mentalmente os povos ocupados. O corpus de dados da linguística geral ainda hoje não é ótimo. E se os fenómenos que consideramos universais só existissem nas línguas da Europa? A ideia de que o tempo é tripartito, por exemplo, materializado em passado, presente e futuro, à vista dos dados reais é bastante eurocêntrica, visto que nas famílias linguísticas não indo-europeias o tempo tem diferentes eixos ou mesmo é circular. Porém, esse suposto expande-se por via linguística e acaba assomando na filosofia ou na construção de hipóteses científicas; em lugares onde não era esperável.
Em geral, somos absolutamente eurocêntricas: temos referências claras para cidades, comidas ou símbolos culturais europeus e só numa ínfima medida para os doutras latitudes. Aliás, à medida que a globalização avança, incorporamos o outro sob a envoltura do “exótico”: viagens de turismo ao Japão, fajitas mexicanas ou pirâmides do Egito. Mas o exótico tem um ar burguês de distopia e discronia; não implica uma condição de igualdade entre os diversos espaços. Acho que continuamos temendo o outro. Doutra maneira não se explicaria que nos programas de história da arte ou de filosofia não apareçam as formas artísticas do Magrebe ou do Vietname, nem se formulem as grandes perguntas doutras civilizações, nem sejam citados pensador@s pret@s ou que escrevam em suaíli. Por acaso só interessam as catedrais ou as pinacotecas da Europa? Por acaso só o povo alemão e a Grécia clássica pensaram? Porque até poderia ser que também, como insinua com ironia Hamid Dabashi, os não europeus pensem. (…)”