Susana Arins: “A família é um dos piares dos regimes fascistas”

Entrevista a Susana Sanches Arins en Nós Diario:
“- Nós Diario (ND): Que queres dizer quando afirmas que “Manuel García Sampayo é exemplo de como a família, em quanto instituição, é a primeira célula de controlo e repressão no sistema franquista”?
– Susana Sanches Arins (SA): Pois exatamente isso. A família um dos piares dos regimes fascistas (família, deus, pátria). Reproduz no doméstico a estrutura do estado, com um patriarca que acusa, julga, premia e condena. Em muitas ocasiões, como no da minha família, não é preciso que intervenha a autoridade civil ou militar, porque já o senhor da casa se encarrega de tomar as medidas que sejam precisas. É especial o controlo sobre mulheres e sobre qualquer desvio da norma que se dê. Numa situação como a da pós-guerra, de pobreza sobrevida, ser expulsa da família era um risco que muitas não podiam correr, por simples supervivência.
– ND: Quando falas de que “O tio Manuel era falangista, dos maus, e nisso a família diferenciava-o do tio Ramón (García Sampayo), que era falangista dos bons”. Como se explica essa diferenciação e em que se fundamenta. Até que ponto o “falangista bom” não legitima um fascismo que em si não será mau nem bom, mas que dependeria do uso que se fizese dele?
– SA: A justificação familiar é clara: ao tio Manuel se lhe apõem mortes (assassinatos) e torturas. Ao tio Ramón não. Mas é justificação familiar, não minha. Na minha obra questiono essa diferenciação. Há um trecho, que pessoalmente adoro, em que levo a comparação com o regime escravagista, onde havia grandes proprietários que não maltratavam a sua servidume. Dão a ver que não é mau o sistema mas os elementos que abusam dele e do seu poder. E a realidade não é essa. O tio Ramóm ajudou alguma gente. Mas a outra não. E essa arbitrariedade, o não saber se vás ser beneficiário ou prejudicado, faz parte do sistema de terror imposto trás o golpe. As pessoas ignoravam se iam ser atacadas por um ou salvadas por outro. Um precisava do outro para manter a sua autoridade. (…)
– ND: O relato literário permitiu-che contar cousas que não permite o ensaio histórico [seique]? Como vês as diferentes linguages?
– SA: Acho que a estrutura narrativa permite dar entrada a emoções e reflexões que ficariam fora de um ensaio histórico. Acho que a voz narrativa, neste caso a da geração das netas, coloca uma distância emocional necessária para construir um discurso respeitoso com as vítimas ao tempo que introduz a reflexão sobre a transmissão da memória da guerra e como isso marcou as famílias. Eu achava de menos, noutras narrativas sobre o golpe e a repressão, dar espaço ao silêncios, aos tabus, às reviravoltas na construção da memória para manter a respeitabilidade das famílias e ocultar feitos indignos. Contar desde dentro complementa a visão ensaística, que é um contar desde fora, também essencial. (…)
– ND: Analisa uma dimensão difícil de quantificar e visibilizar que é a repressão das mulheres coa sua dimensão específica. Como vês estas dificuldades por tirar luz destes casos?
– SA: Há um problema básico: o silêncio já irremediável sobre esse tipo de repressão. As agressões sexuais não foram habitualmente verbalizadas. Estende-se sobre elas o tabu e mesmo um sentido respeito pela dignidade das vítimas. Não contar por não marcá-las mais. Conto com uma gravação de uma senhora de Meis, Mercedes Abal, que quando narra as agressões a uma vizinha, Manuela Abal “A Facheira”, só acerta a pronunciar a frase “ai, o que lhe fizeram!” repetidamente. A nós só nos fica essa pista. E agora é tarde. Quem podia contar morreu. Só podemos intuir, deduzir, supor. Saber o que aconteceu em verdade já não é possível. Mas conhecendo o uso das agressões sexuais como arma de guerra noutros conflitos bélicos, não é difícil imaginar que terão feito com esta e outras mulheres.”