Víctor Freixanes: “Carvalho Calero é a crónica do galeguismo do século XX”

Entrevista de Laura Ramos Cuba a Víctor Freixanes no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Carvalho Calero acabou de ser escolhido como figura homenageada para as Letras Galegas de 2020. Esta era uma reivindacação contínua de diversos movimentos sociais que, anos depois, é satisfeita. Como avalias esta resolução por parte da Academia?
– Víctor Freixanes (VF): Há tempo que a Academia é ciente de que a figura de Carvalho Calero não podia ser adiada nem marginalizada. Não deixa de ser uma injustiça histórica que não se reconheça o compromisso, o trabalho e a vida que este homem dedicou à cultura, à literatura, à língua galega… Mesmo com obras como a História da Literatura ou como a sua própria significação como primeiro catedrático de Língua e Literatura Galega na USC em 1972. Foi professor de muitos de nós, a mim leccionou-me Língua e Literatura Galegas… É certo que havia uma história detrás de desencontros, digamos assim, entre uns setores da Academia e o próprio Carvalho Calero e as suas posições arredor da língua na última etapa da sua vida. Eu acho que a nova sensibilidade da Academia está em que isso é um capítulo que forma parte da história e da pluralidade democrática dum país. E, portanto, o currículo e a memória histórica de Carvalho Calero não a vamos discutir. Havia que encará-lo com clareza, com transparência, com naturalidade e, também, aproveitando, não o oculto, que esse ano se cumprem 110 anos do seu nascimento e 30 desde a sua morte. São esses números redondos que dão pé a dedicar-lhe o ano a Carvalho Calero, que ademais também coincide com a reclamação que fizemos já ao Concelho de Ferrol para que restaurem a sua casa, de quem já vimos boa disposição. É uma oportunidade, era algo que até eu tinha que assumir. (…)
– PGL: Que destaca da sua figura e da sua obra? Quer a nível individual quer como presidente da Academia, como vai ser abordado o ideário linguístico de Carvalho?
– VF: Bem, vamos ver… A Academia tem dous momentos, além doutro tipo de atividades como são o Portal das Palabras ou a Primavera das Letras, que está pensado para escolas de primária a iniciativa dos professores. Destes dous momentos um é a celebração do Dia das Letras, com a intervenção formal dos académicos ao redor da figura de Carvalho. Então escolheremos três académicos que abordem a figura de Carvalho Calero desde diferentes perspetivas. E depois, em segundo lugar, haverá um simpósio académico onde haverá distintas vozes sobre a sua figura e onde todas as vozes que tenham algo que dizer, podam dizê-lo. Se têm que estar três dias, serão três dias, mas todo o mundo com uma posição documentada e consistente, terá espaço para poder dizê-lo com a madurez que permite hoje uma sociedade, incluso uma sociedade galego-falante, que pode abordar estes temas com uma tranquilidade, documentação e conhecimentos que não existiam há trinta anos.
Então isso também vai permitir que a figura de Carvalho Calero seja abordada dessa perspetiva, mas não é a única perspetiva de Carvalho. E isso também é importante. A Academia não aborda Carvaho Calero pelo tema da proposta ortográfica, senão que homenageia a sua figura histórica. Carvalho Calero é, de forma semelhante a António Fráguas, a crónica do galeguismo do século XX. Carvalho Calero viveu desde o período pré-Guerra Civil e República, porque é um homem muito comprometido com a República, o galeguismo do momento, o Seminário de Estudos Galegos e o Partido Galeguista… participa inclusive com Lois Tobio na redação do anteprojeto do Estatuto de Autonomia que promove o Seminário… Quer dizer, há uma série de atividades objetivas de Carvalho. E depois, na guerra, ele é uma vítima da repressão, com todas as consequências. É uma situação muito grave que eu penso que o afetou emocional e psicologicamente, afetaria a qualquer pessoa.
Depois, é um homem do que chamaríamos o exílio interior. Pratica um bocado -como aconteceu ao próprio Antonio Fraguas e Fernández del Riego– a clandestinidade. Ele viveu exercendo de professor às escondidas para manter a sua família. Foi uma situação muito dura. Teve a sorte de ser acolhido por António Fernández no [instituto] Fingoi, e aí está atuando já o grupo Galaxia, os que foram os fundadores de Galaxia. E ele não pode exercer como professor e é contratado como gerente! Ali chegaram também para serem professores pessoas como Ferrín ou o próprio Bernardino Graña. E nesse momento começa a trabalhar com Fernández del Riego –porque eram amigos íntimos– na História da Literatura Galega Contemporánea. E nesse livro de correspondência entre os dous é impressionante ver como trabalham, com que constância, com que método, com que teimosia… É um retrato dos dous, como procuram os livros, como os vão pedir… Claro, porque agora tudo está na Internet e há umas bibliotecas muito boas, mas daquela não havia nada. Encontrar um original de Proezas de Galicia de Fernández Neira ou encontrar uns documentos do que podia ser o galego patriótico da guerra contra os franceses, ou os primeiros textos em língua galega dos Precursores… Aí também estava Penzol, que estava comprando muito livro e dotando o que depois seria a partir de 1963 a biblioteca da Associação Penzol, e todos estavam aí puxando e construindo…
Ou seja, sou consciente de que Carvalho era o historiador da literatura e o gramático, porque foi a quem lhe encarregaram a Gramática do Galego Comum, de Galáxia, porque antes não havia nada, era uma seleção. E com esse material, Carvalho é quem nos dá aulas a nós na faculdade. (…)”