Tiago Alves Costa: “Espero que este livro seja acima de tudo uma proposta de revolução”

Entrevista de Daniel Amarelo a Tiago Alves Costa no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Ao longo de todo o livro [Žižek vai ao ginásio] parece que a forma ganha a batalha contra o conteúdo. Lemos e importamo-nos mais com como se sente e como se passam as cousas do que com o que se sente e o que se passa. Achas que nestes tempos de desmaterialização – do trabalho, dos relacionamentos, até do corpo – a poesia vai sair prejudicada ou fortalecida? Qual o papel da poesia na nossa contemporaneidade?
– Tiago Alves Costa (TAC): A poesia será sempre um meio de revigorar uma época, seja ela qual for. Neste momento e mais que nunca a poesia é uma urgência. Sob o limiar da falência das palavras, neste espetáculo diário de humilhação, expostos aos olhares dos outros à procura da melhor pose, a poesia é uma linha de fuga contra o delírio dos nossos dias. Ainda sem distinguir se somos personagens ou pessoas – nós somos os protagonistas, dizem os lemas publicitários – a poesia surge como um elemento transfigurador deste tempo narcísico, onde o Eu se assume numa clara posição de centralidade não dando espaço ao “outro”, aos outros, à diferença, ao estranho; daí surgem também os discursos xenófobos, que aliás, já pendem sob as nossas cabeças.
– PGL: Qualquer leitora deste livro terá reparado, no fim, em que é até certo ponto uma obra meta-literária, que brinca com muito humor com o próprio papel do poeta, o seu lugar no mundo, o seu habitus. Que relação tens com o poema? Como surgiram estes aqui presentes, que conformam o Žižek?
– TAC: Tenho uma relação com o poema que vai do desejo à rejeição. A maioria das vezes não nos damos bem, ou, talvez, façamos de conta que não nos conhecemos, como se fossemos duas pessoas que se cruzam na rua e se olham, conheço-te de algum lado. Eu fico a olhar para ele, ele fica a olhar para mim, há uma tentativa de aproximação, imaginamos que qualquer coisa de singular poderá acontecer, e, de repente, afastamo-nos. Os poemas de Žižek vai ao ginásio seguem um fio condutor de Mecanismo de Emergência, são fruto da investigação que tenho desenvolvido nos últimos cinco anos e que se traduziram nestes dois livros que a Através Editora teve a enorme coragem de publicar; é um processo que passa por escavar na própria imprevisibilidade das coisas, no quotidiano, nos fenómenos comuns, farejando a vida numa tentativa de demolir-me a mim mesmo e revolucionar silenciosamente o meu modo de ver o mundo. (…)
– PGL: Aquilo que se impõe à (imagem de) liberdade parece percorrer sibilinamente o corpo deste livro-sistema nervoso. Qual é o fundamento político último desta tua obra?
– TAC: Gosto muito dessa tua definição de livro-sistema-nervoso. Quanto a esta questão, a Agustina Bessa-Luís tinha uma frase que me tem acompanhado ultimamente: Um país fabricado em miséria, é um país condenado à política. A poesia é uma forma de expressão cultural, sendo perfeitamente concebível o uso de uma estética poética para traduzir um conjunto de inquietudes políticas que invariavelmente marcam a minha obra. Espero que este livro seja acima de tudo uma proposta de revolução, ou até mesmo um último reduto de liberdade.
– PGL: Afirma-se no prólogo, após citar um dos poemas mais brilhantes do livro, que “as palavras contêm tudo: a denúncia e a citação, o relato e as suas feridas”. Escreve-se contra a linguagem, através da linguagem ou apesar da linguagem?
– TAC: Escreve-se sobretudo contra as amarras da linguagem. A própria leitura de poesia pode convocar um deliberado mal-entendido ou potenciar um conflito na linguagem ou mesmo ações que estourem com a domesticação da palavra que vive ao serviço do poder, seja ele qual for. Pensar a poesia também é mudar de posição relativamente à própria linguagem, ou como diria Gaston Bachelard, não olhar sempre da mesma maneira para as palavras; apesar da linguagem.”

“Como escreve Tiago Alves Costa”, por José Nunes

Entrevita a Tiago Alves Costa, por José Nunes:
“(…) – José Nunes (JN): Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
– Tiago Alves Costa (TAC): Eu tento escrever todo os dias. Mas confesso não ter um plano prévio, nem para um livro individualmente, nem para os livros no seu conjunto. Escrevo muito instintivamente, às vezes com quatro ou cinco notas, quatro ou cinco ideias, uma ou duas imagens, e a partir daí começo a escrever algo que, muito sinceramente, não sei catalogar em termos de gênero. A escrita não tem hora marcada. Escrevo muito para investigar e portanto gosto de não saber o que vou fazer. Isso para mim é essencial, escrever sem saber o que vou fazer. Se tenho algum prazer na escrita será o da pura descoberta, ser surpreendido por esse novo mundo, esse território do espanto. Para mim uma fórmula não abre caminhos. A arte é uma constante des-regra.
– JN: Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
– TAC: Bastante caótico. Quando estou obcecado por uma ideia, um texto, escrevo como se não houvesse tempo, sem me submeter a qualquer tipo de horário. Sei, quase de forma intuitiva, que o texto já está escrito e só precisa de se converter em idioma, e esse é o meu trabalho. Direi que a fase que me dá mais prazer é quando se entra nesse etat second, esse estado hipnótico que nos impele como uma força poderosa para a escrita. A pesquisa passa sempre por esse trabalho inicial, esse jogo sedutor sem qualquer tipo de finalidade, que eu vou anotando aqui e ali para depois passar ao processo final, que consiste em passá-lo a formato digital. Reconheço que por vezes é difícil recomeçar no computador. Gosto muito desse processo primordial. A pesquisa no fundo está relacionada com a própria experiência, é um processo orgânico e vivo, uma escrita-vida, o meu bloco vai testemunhando como um electrocardiograma as minhas sensações diárias com o mundo.
– JN: Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
– TAC: É muito raro que me suceda o célebre pavor pela página em branco. Quando parto para esse suposto vazio da página já tenho alguma ideia ou nota prévia e não corro o risco de ficar a olhar a página. Mas as travas acontecem. Quando assim é, o melhor é deixar respirar o texto ou a ideia e voltar quando este pedir. Sinto muito prazer quando me encontro com um texto passado algum tempo, é nesse momento que sei se vale algo ou não, quando consigo ser o outro dos outros e ter esse pathos da distância sobre o texto. Confesso não ter medo de não corresponder as expectativas. Viver já é um exercício que nos exige muitos processos catárticos e de sobrevivência. Tento, dentro das suas dificuldades inerentes, desfrutar ao máximo da palavra. (…)”