Tiago Alves Costa: “Uma espécie de sismógrafo do espírito contemporâneo”

Entrevista a Tiago Alves Costa en Novos Livros:
“- Novos Livros (NL): O que representa, no contexto da sua obra, o livro Žižek vai ao Ginásio?
– Tiago Alves Costa (TAC): Não considero que tenha uma “obra” no sentido tradicional. Este foi o meu quarto livro, e todos os meus livros não seguem um plano prévio. Escrevo normalmente para investigar e, por isso, gosto muito de que os meus livros sejam um espaço inventivo que de alguma forma me surpreenda, um organismo vivo em busca de tudo o que é novo, tudo aquilo que supõe uma ruptura com a ordem das coisas. Para mim, cada livro representa sempre um novo começo, e, como tal, assume um lugar especial e deve, de alguma forma, ser capaz de afectar a minha percepção do mundo. Como afirmava o Ludwig Wittgenstein “As minhas dúvidas formam um sistema”.
– NL: Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
– TAC: Žižek vai ao Ginásio tenta ser uma espécie de sismógrafo do espírito contemporâneo, a aceleração cada vez mais histérica dos acontecimentos que vivemos, que se estende a todos âmbitos da nossa vida. A filósofa Maria Zambrano defendia que todos os tempos são de crise, e a crise, ou as crises que vivemos actualmente, estão a introduzir novas formas de poder que parecem querer reclamar esse domínio sobre novos territórios, até agora inexplorados do humano, forças impulsionadas por novos imperativos económicos anulando inclusive e perigosamente direitos sociais que são imprescindíveis em sociedades ditas democráticas. Simultaneamente, este livro também reflecte a experiência de uma geração, como a minha, altamente qualificada, que enfrenta diversos desafios, desde empregos precários até aluguéis hiperinflacionados, além do cansaço e o esgotamento digital que permeiam toda uma geração, levando-nos a questionar se os nossos pais não teriam vivido melhor do que nós. Nesse sentido, as personagens que pululam neste livro vivem nesse constante adiar do futuro, uma espécie de depressão generalizada que consiste em perceber que sempre que o alcançam, o futuro, não os convence. Servindo-me muitas vezes da ironia, obviamente, que é também uma forma de justiça, uma verdade poética também, dessa atávica relação que temos com a dificuldade, ou com a impossibilidade, e que se combate com engenho, com criatividade, com a habilidade de reconduzir situações difíceis e suscitar a inteligência de saber rir do próprio absurdo. Apesar do pessimismo generalizado, gostaria que o livro pudesse afetar o outro, a alteridade do outro, e servir como ponto de partida para uma revolução dos afectos.
– NL: Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
– TAC: No último ano, coordenei uma antologia de poesia em língua portuguesa intitulada A Boca no Ouvido de Alguém – Corpo-Identidade-Língua, que foi publicada em fevereiro passado pela Através Editora. Continuo também a trabalhar no teatro e em mais duas obras de ficção que espero lançar em breve.”

Tiago Alves Costa: “Espero que este livro seja acima de tudo uma proposta de revolução”

Entrevista de Daniel Amarelo a Tiago Alves Costa no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Ao longo de todo o livro [Žižek vai ao ginásio] parece que a forma ganha a batalha contra o conteúdo. Lemos e importamo-nos mais com como se sente e como se passam as cousas do que com o que se sente e o que se passa. Achas que nestes tempos de desmaterialização – do trabalho, dos relacionamentos, até do corpo – a poesia vai sair prejudicada ou fortalecida? Qual o papel da poesia na nossa contemporaneidade?
– Tiago Alves Costa (TAC): A poesia será sempre um meio de revigorar uma época, seja ela qual for. Neste momento e mais que nunca a poesia é uma urgência. Sob o limiar da falência das palavras, neste espetáculo diário de humilhação, expostos aos olhares dos outros à procura da melhor pose, a poesia é uma linha de fuga contra o delírio dos nossos dias. Ainda sem distinguir se somos personagens ou pessoas – nós somos os protagonistas, dizem os lemas publicitários – a poesia surge como um elemento transfigurador deste tempo narcísico, onde o Eu se assume numa clara posição de centralidade não dando espaço ao “outro”, aos outros, à diferença, ao estranho; daí surgem também os discursos xenófobos, que aliás, já pendem sob as nossas cabeças.
– PGL: Qualquer leitora deste livro terá reparado, no fim, em que é até certo ponto uma obra meta-literária, que brinca com muito humor com o próprio papel do poeta, o seu lugar no mundo, o seu habitus. Que relação tens com o poema? Como surgiram estes aqui presentes, que conformam o Žižek?
– TAC: Tenho uma relação com o poema que vai do desejo à rejeição. A maioria das vezes não nos damos bem, ou, talvez, façamos de conta que não nos conhecemos, como se fossemos duas pessoas que se cruzam na rua e se olham, conheço-te de algum lado. Eu fico a olhar para ele, ele fica a olhar para mim, há uma tentativa de aproximação, imaginamos que qualquer coisa de singular poderá acontecer, e, de repente, afastamo-nos. Os poemas de Žižek vai ao ginásio seguem um fio condutor de Mecanismo de Emergência, são fruto da investigação que tenho desenvolvido nos últimos cinco anos e que se traduziram nestes dois livros que a Através Editora teve a enorme coragem de publicar; é um processo que passa por escavar na própria imprevisibilidade das coisas, no quotidiano, nos fenómenos comuns, farejando a vida numa tentativa de demolir-me a mim mesmo e revolucionar silenciosamente o meu modo de ver o mundo. (…)
– PGL: Aquilo que se impõe à (imagem de) liberdade parece percorrer sibilinamente o corpo deste livro-sistema nervoso. Qual é o fundamento político último desta tua obra?
– TAC: Gosto muito dessa tua definição de livro-sistema-nervoso. Quanto a esta questão, a Agustina Bessa-Luís tinha uma frase que me tem acompanhado ultimamente: Um país fabricado em miséria, é um país condenado à política. A poesia é uma forma de expressão cultural, sendo perfeitamente concebível o uso de uma estética poética para traduzir um conjunto de inquietudes políticas que invariavelmente marcam a minha obra. Espero que este livro seja acima de tudo uma proposta de revolução, ou até mesmo um último reduto de liberdade.
– PGL: Afirma-se no prólogo, após citar um dos poemas mais brilhantes do livro, que “as palavras contêm tudo: a denúncia e a citação, o relato e as suas feridas”. Escreve-se contra a linguagem, através da linguagem ou apesar da linguagem?
– TAC: Escreve-se sobretudo contra as amarras da linguagem. A própria leitura de poesia pode convocar um deliberado mal-entendido ou potenciar um conflito na linguagem ou mesmo ações que estourem com a domesticação da palavra que vive ao serviço do poder, seja ele qual for. Pensar a poesia também é mudar de posição relativamente à própria linguagem, ou como diria Gaston Bachelard, não olhar sempre da mesma maneira para as palavras; apesar da linguagem.”