Carlos Taibo: “O Porto é uma cidade galega”

Entrevista de Tiago Alves Costa a Carlos Taibo en Quiasmo:
“(…) – Quiasmo (Q): Carlos, publicaste recentemente O Nosso Porto pela Através Editora. O que te levou a escolher a cidade do Porto como tema central desta obra?
– Carlos Taibo (CT): Sempre gostei do Porto. Creio que os escritos de Miguel Torga reproduzem de maneira razoável a minha visão da cidade. Além disso, boa parte do meu conhecimento da literatura portuguesa tem a ver com o Porto. E, ainda que às vezes os habitantes da cidade possam parecer antipáticos – algo comum nas cidades de cariz industrial e comercial –, eu encontrei sempre gente muito próxima.
– Q: Como foi o processo de pesquisa e escrita?
– CT: Foi uma combinação de conhecimentos pessoais adquiridos durante décadas e leituras mais ou menos especializadas. Descobri, ou vi com outros olhos, o Porto oriental, o da Manchester lusitana e as suas ilhas. Foi um processo que me permitiu redescobrir a cidade, não apenas como um espaço físico, mas como um lugar de memórias e identidades em constante transformação.
– Q: Sendo galego, sentes que vives o Porto de uma forma diferente?
– CT: Para mim, e por muitos conceitos, o Porto é uma cidade galega. Dessa visão participam a chuva e a névoa, mas está também presente uma velha ideia que tem a ver com a Gallaecia romana, o alicerce de tantas coisas, que terminava no Douro. Esta ligação histórica e cultural faz-me ver o Porto não como uma cidade estrangeira, mas como uma extensão natural do meu próprio território.
– Q: O livro aborda questões contemporâneas como a turistificação e os preços dos alugueres. Na tua visão, como a Galiza e o Norte de Portugal enfrentam estes desafios? Existe um caminho para equilibrar a preservação da identidade com as pressões económicas globais?
– CT: Suponho que existe, mas é difícil de encontrar. Parece-me que o velho Porto é irrecuperável. De qualquer maneira, o problema é mais geral e fala da necessidade de outorgar muito maior relevo à cultura e de defender, em muitos âmbitos, as práticas do decrescimento. Acredito que só através de uma consciência coletiva e de políticas que privilegiem o local sobre o global poderemos encontrar um equilíbrio. (…)”

Óscar Senra Gómez: “André é uma história independente que cria espaços diferenciados e atrai novas personagens”

Entrevista de Tiago Alves Costa a Óscar Senra Gómez en Quiasmo:
“(…) – Quiasmo (Q): Como surgiu a ideia para o romance André e quais foram as motivações que te levaram a escrevê-lo?
– Óscar Senra Gómez (OSG): Por um lado, nasce como o final de uma trilogia, dá continuidade a algumas das histórias de Sete dias com Elisa e 1928 km, ao mesmo tempo é uma história independente que cria espaços diferenciados e atrai novas personagens. Ainda que com ele dou por finalizada esta espécie de saga, André não chegou para resolver as dúvidas que deixaram no ar os anteriores livros. Acho que contribui com novas tribulações, em vez de certezas. Por outro lado, esta que intitulei de ‘Trilogia de Vedra’, surgiu da necessidade de afastar-me da minha zona de conforto e de indagar sobre assuntos que me interessam, como a masculinidade hegemónica ou o idadismo.
– Q: A história decorre em locais tão diferentes como Vedra e Oslo. Como conseguiste integrar esses ambientes de forma coesa na narrativa?
– OSG: Ainda que afetam, os locais são secundários no desenvolvimento da história. Ao focar a atenção nas pessoas, é mais fácil moverem-se de um lugar para o outro sem por isso causar estranheza. De facto, no livro aparecem também Adina, paróquia de São Genjo de onde é Elisa, a protagonista principal da trilogia, Ålesund, de onde era Simen, o seu companheiro, ou Santiago de Compostela, onde conviveram durante décadas antes de decidirem viver em Vedra. No anterior romance, 1928 km, acontecia algo similar, Vedra partilhava protagonismo com Bruxelas. Não procuro um contraste cidade-rural. Esses espaços tão diversos são também um reflexo da realidade de muitas pessoas.
– Q: André aborda uma acusação grave ocorrida há cinquenta anos atrás, que agitou a família Fredberg. Qual a mensagem que pretendes transmitir aos leitores ao explorar temas como justiça e memória?
– OSG: Vejo este livro como uma indagação que não finaliza com um juízo que feche a história e faça mais agradável a leitura. São de poucas certezas. Em parte queria evitar julgar as personagens, também não condicionar a quem lê dirigindo-o para uma solução. Não quero dizer com isso que justifique a quem é acusado. Nem sequer é esse o fundo da questão. Justiça e memória são duas das palavras que acompanham a trilogia toda, mas como um questionamento, como fazia Elisa no primeiro romance, Sete dias com Elisa, perseguindo o significado da felicidade. (…)”

Tiago Alves Costa: “Uma espécie de sismógrafo do espírito contemporâneo”

Entrevista a Tiago Alves Costa en Novos Livros:
“- Novos Livros (NL): O que representa, no contexto da sua obra, o livro Žižek vai ao Ginásio?
– Tiago Alves Costa (TAC): Não considero que tenha uma “obra” no sentido tradicional. Este foi o meu quarto livro, e todos os meus livros não seguem um plano prévio. Escrevo normalmente para investigar e, por isso, gosto muito de que os meus livros sejam um espaço inventivo que de alguma forma me surpreenda, um organismo vivo em busca de tudo o que é novo, tudo aquilo que supõe uma ruptura com a ordem das coisas. Para mim, cada livro representa sempre um novo começo, e, como tal, assume um lugar especial e deve, de alguma forma, ser capaz de afectar a minha percepção do mundo. Como afirmava o Ludwig Wittgenstein “As minhas dúvidas formam um sistema”.
– NL: Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
– TAC: Žižek vai ao Ginásio tenta ser uma espécie de sismógrafo do espírito contemporâneo, a aceleração cada vez mais histérica dos acontecimentos que vivemos, que se estende a todos âmbitos da nossa vida. A filósofa Maria Zambrano defendia que todos os tempos são de crise, e a crise, ou as crises que vivemos actualmente, estão a introduzir novas formas de poder que parecem querer reclamar esse domínio sobre novos territórios, até agora inexplorados do humano, forças impulsionadas por novos imperativos económicos anulando inclusive e perigosamente direitos sociais que são imprescindíveis em sociedades ditas democráticas. Simultaneamente, este livro também reflecte a experiência de uma geração, como a minha, altamente qualificada, que enfrenta diversos desafios, desde empregos precários até aluguéis hiperinflacionados, além do cansaço e o esgotamento digital que permeiam toda uma geração, levando-nos a questionar se os nossos pais não teriam vivido melhor do que nós. Nesse sentido, as personagens que pululam neste livro vivem nesse constante adiar do futuro, uma espécie de depressão generalizada que consiste em perceber que sempre que o alcançam, o futuro, não os convence. Servindo-me muitas vezes da ironia, obviamente, que é também uma forma de justiça, uma verdade poética também, dessa atávica relação que temos com a dificuldade, ou com a impossibilidade, e que se combate com engenho, com criatividade, com a habilidade de reconduzir situações difíceis e suscitar a inteligência de saber rir do próprio absurdo. Apesar do pessimismo generalizado, gostaria que o livro pudesse afetar o outro, a alteridade do outro, e servir como ponto de partida para uma revolução dos afectos.
– NL: Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
– TAC: No último ano, coordenei uma antologia de poesia em língua portuguesa intitulada A Boca no Ouvido de Alguém – Corpo-Identidade-Língua, que foi publicada em fevereiro passado pela Através Editora. Continuo também a trabalhar no teatro e em mais duas obras de ficção que espero lançar em breve.”

Salvaterra: 35 Festival da Poesia no Condado