Entrevista de Valentim Fagim a Victorino Pérez Prieto no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): O teu processo para te tornares galego-falante está vinculado ao bacharelato e, sobretudo, com a tua decisão de te tornares sacerdote.
– Victorino Pérez Prieto (VP): Aos dez anos fui a Compostela para fazer o Bacharelato no seminário de Belvis. Ali vivi menos essa repressão do galego na escola; fui aprendendo-o mais, escutando os amigos fora das aulas e lendo os primeiros textos na nossa língua. Ao concluir, depois dum entusiasmante COU experimental, onde comecei a tomar gosto ao estudo, fui a Valladolid para estudar Arquitetura, onde o galego estivo totalmente ausente. Pero num verão, após uma profunda conversão religiosa, deixei esses estudos e entrei no Seminário de San Martinho Pinario, para fazer os estudos eclesiásticos de Filosofia e Teologia.
De novo em Compostela, mudou a minha perspetiva. Deixei a minha vida burguesa, e, no compromisso com a causa libertadora de Jesus de Nazaré e do Evangelho, cheguei à realidade da Galiza como um povo com uma língua e uma identidade própria. Compreendi que, se eu queria servir esse povo, tinha que defender a sua língua e a sua identidade e comprometer-me no seu desenvolvimento sociopolítico. Por isso, desde o começo tomei a decisão de falar sempre em galego, sobretudo em publico. Era uma postura fundamentalmente ética; e nela fui mais consequente e radical que mesmo os meus companheiros que falavam galego de nascimento. Esta postura alimentou-se com a leitura de Castelao, Otero Pedrayo e outros velhos galeguistas; e ao mesmo tempo com os meus contactos com o nacionalismo, sobretudo com os estudantes da ERGA. (…)
– PGL: Na hora de criar textos em galego, o português servia como referente? Em geral, que relação havia com a sociedade portuguesa e com o português nos movimentos cristãos mais galeguistas?
– VP: Nos começos não, os textos para a liturgia que fazíamos e as revistas em que publicávamos –o semanário Irimia, da qual fui doze anos diretor, e a revista bimensal Encrucillada– fazíamo-lo no galego normativo, como as colaborações que tinha noutras publicações como o semanário A Nosa Terra e outros, e diários como El Progreso.
Os textos para a liturgia começaram a fazer-se em galego-português com Martinho Montero Santalha, companheiro na diocese de Mondonhedo-Ferrol; foi uma opção que não muitos compreenderam, sobretudo pela dificuldade para ler que supunha para as pessoas. A relação dos cristãos galeguistas com o reitegracionismo era, em geral, escassa e tirante; alguns amigos temos debatido arduamente sobre isto em Encrucillada defendendo publicar textos em reintegrado e mesmo em português. No meu livro Galegos e cristiáns (Vigo 1995) falei de Martinho e do que chamei carinhosamente “O outro galeguismo cristián”: Isaac Alonso Estraviz (que já publicara nessa ortografia o livro dos Salmos e outros textos), Joám Trilho, Antom Gil Hernández, Maria do Carmo Henríquez Salido, Joam José Santamaria, etc. Com eles começamos a relação com o português, ainda que eu já tivera relação com a Igreja portuguesa em encontros anos atrás. (…)”
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Carlos Taibo: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”
Entrevista de Diego Bernal a Carlos Taibo no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Há algumha novidade nesta 3ª ediçom a respeito das anteriores?
– Carlos Taibo (CT): As novidades são três. Uma delas é que o livro foi objeto duma profunda revisão linguística que fez que os meus problemas com a versão portuguesa da língua comum, que não são menores, recuassem um bocadinho. Mudou, por outra parte, a capa e acho que o resultado foi bom, por não dizer que foi muito bom. Escrevi, enfim, um novo prólogo que em essência deseja atualizar a bibliografia que, sobre a vida do poeta, foi publicada nos últimos doze anos. Sigo a ler tudo, ou quase tudo, o que se publica a respeito.
– PGL: Umha das faces menos conhecidas de Pessoa é a dos seus vínculos com a Galiza, quer no plano familiar –tem antepassados no concelho de Serra de Outes— quer no plano intelectual. Achas que devia haver um maior reconhecimento público destes vencilhos?
– CT: Esses vencilhos não são –há que reconhecê-lo- muito fortes e conduzem a etapas afastadas no tempo. Talvez teria mais interesse mergulhar nos escritos políticos em que Pessoa reflexiona sobre a condição e o futuro da Galiza. Não deixam de incluir sugestões merecedoras de atenção, em espera, por demais, da publicação de possíveis materiais inéditos.
– PGL: Esta obra nasceu graças ao abrigo de umhas palestras que nunca chegárom a acontecer. Mas quando é que nasceu o interesse do Carlos Taibo por Pessoa?
– CT: Nem eu mesmo sei. Em finais da década de 1970 já lera Fernando Pessoa mas não lembro que deixasse em mim uma pegada notável. Talvez foi a leitura das cartas enviadas pelo poeta à sua efémera namorada, Ofélia Queirós, a que provocou um interesse repentino. Acontece amiúde no meu caso que as aproximações às matérias importantes chegam ao abrigo do que num primeiro olhar é aparentemente anedótico. (…)”
Carlos Taibo: “A língua é a mais excelsa das criações do ser humano”
Entrevista de Diego Bernal a Carlos Taibo no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Nom é muito comum fazer autobiografias com focagens tam específicas, como surgiu a ideia de escreveres sobre a tua relaçom com as línguas ao longo da vida?
– Carlos Taibo (CT): Há um tempo que me decatei de que boa parte das histórias e das brincadeiras que conto têm uma base claramente linguística. Em realidade não proponho nessas páginas, em termos estritos, uma autobiografia que, como tal, teria um interesse reduzido. O livro é de facto um pretexto para recuperar essas histórias e brincadeiras. Na tarefa ajudou-me um corunhês um bocadinho louco que ministra aulas de galego em Madrid e que sonha com línguas e com anões de Minas Gerais.
– PGL: O Feitiço das línguas já encanta o leitor desde o próprio título. Som isso para ti as línguas, um feitiço?
– CT: São, certamente. E são também um presente que nos ofertou a natureza. Não consigo compreender aqueles que celebram, em virtude das teóricas melhoras que haveriam de produzir-se na comunicação, a desaparição de línguas. Além disso, no prólogo do livro saliento que para mim a língua é a mais excelsa das criações do ser humano, noutros âmbitos tão pouco feliz.
– PGL: Seguindo com o título, escolheche um subtítulo curioso, “uma (pseudo) (auto) biografia linguística”. Que de “pseudo” há nela?
– CT: Já disse que o meu objetivo não era, ou não era fundamentalmente, retratar-me. Agrego agora que o livro carreta uma vantagem nada desprezível: reduz sensivelmente as possibilidades de eu sentir a tentação de enfrentar uma autobiografia canónica, em visível proveito da humanidade e da sua causa.
– PGL: No mundo há mais mais de 6000 línguas. Com quais vai dar o público leitor ao debruçar sobre esta obra?
– CT: Vai dar, nomeadamente, com o galego-português e com o espanhol. Mas também com outras línguas que até agora me acompanharam, com noivados mais ou menos longos: o francês, o italiano, o alemão, o grego, o árabe, o catalão e… o russo. Mas também há observações nessas páginas sobre o africânder, o maltês ou o fan. Para parecer culto e exótico.
– PGL: Algo realmente admirável é a capacidade do autor para lidar com a diversidade linguística. Ser poliglota fai parte do teu charme?
– CT: Não quero enganar ninguém. Os meus conhecimentos em matéria de línguas são muito limitados. E falando a sério não sou um poliglota. Sou uma pessoa curiosa que procurou se embebedar ao abrigo das línguas, com razoável sucesso. Como é sabido, e além disso, o meu charme tem um caráter exclusivamente sexual.
– PGL: Tens mais de meio cento de livros publicados. Já estás a pensar em qual vai ser o próximo?
– CT: Trabalho num livrinho, que vai ser muito ameno, sobre ecofascismo. E, para castigar os olhos dos amigos e amigas da Através, há tempo que acumulo materiais para escrever uma opera-prima sobre uma cidade do norte de Portugal na que desagua o Douro. Mais esse texto magnífico ainda há de demorar.”
Antom Fortes Torres: “A arte foi um flutuador que não me falhou nunca”
Entrevista de Tiago Alves Costa a Antom Fortes Torres no Portal Galego da Língua:
“Entrevistamos Antom Fortes Torres (Sárria, 1957) que vem de publicar pela primeira na Através Editora dois livros de poesia que perfazem um só. Em Gris Cinza / Barbarie, Crisântemos e um Urbano Lugrís o poeta traz-nos uma proposta com uma forte componente sociopolítica, envolvida muitas vezes num pessimismo que conforma um universo de palavras que não querem operar de acordo com os trâmites do conforto. Apesar de serem dois livros com distintas texturas, desvela-se ao longo de toda a obra uma voz singular de um poeta comprometido, que dialoga com as vicissitudes da contemporaneidade tentando extrair o silêncio e repor o sentido às coisas. No fundo é a verdade colocada ao serviço de um mundo que parece ter desistido de si mesmo.
– Portal Galego da Língua (PGL): Antom, são dois poemários num só com dois títulos muito chamativos. Qual é genealogia do livro?
– Antom Fortes Torres (AFT): Gris Cinza é um texto do 2007. Coincide com um momento de crise íntima e social (económica). Então falava-se muito do genocídio nos Balcãs, e isso levou-me à primeira parte do livro: Uma reflexão sobre o ódio e os extermínios do s. XX. O demais é pessoal e ideológico. Quedou no caixão. Nessas datas comecei a escrever literatura dirigida ao âmbito juvenil, publicada por OQO Editora (Fume, Caderno de animalista, Á sombra dos anacardios…).
– PGL: Há claramente duas texturas distintas, uma mais relacionada com um processo catártico, onde se revela a perda, a morte inclusive. Logo entramos numa parte mais política, mais de vertente social. Podes aprofundar um pouco mais isto?
– AFT: barbárie, crisântemos e um Urbano Lugrís coincide com o luto pelas mortes dos meus pais (mui seguidas), com a jubilação, com o abandono da política… Tudo isto implica uma renovação, uma desconstrução, e te plantear em que direção tirar. Libertar-me dos legados foi uma tarefa árdua. A vertente sociopolítica está em todos os meus escritos; também nos livros eróticos (Figuras Masculinas de Meio-Corpo, Sexto Fetiche…). Estarmos alerta é imprescindível.
– PGL: “Salvas-me de todos os naufrágios, farol que guiavas o barco encalhado”. Sob a barbárie dos nossos dias, a poesia é uma fenda de luz, um último reduto de liberdade?
– AFT: Efetivamente. A poesia implica liberdade, às vezes supervivência; e para mim (a arte em geral) sempre foi um flutuador que não me falhou nunca.
Fico com a sensação que os dois poemários apesar de terem sido escritos em épocas distintas possuem linhas de força comuns e entroncam com a sociedade atual. A humanidade continua com os seus eternos problemas por resolver?
A linha de barbárie… é mais genérica, e o eu lírico mudou, mas os problemas são os mesmos. A perspectiva (poética) à hora de resolvê-los é outra, passou-se da ação potencial ao retiro. Quiçá os eternos problemas seguirão aí sempre. Eivas intrínsecas à espécie (humana).
– PGL: “Esquecimento atrás dos que latejam um murmúrio”. Consideras que a poesia, a arte, são cada vez mais uma linha de fuga à desmemória, um flagelo cada vez mais assaz das nossas sociedades?
– AFT: Não creio que a arte atual pretenda acabar com a desmemória. Delega-se nas Associações. Mas há poetas, entre os que me incluo, aos que o adjetivo “social” ou “comprometido” não lhes resulta alheio nem pejorativo; ainda que somos menos os críticos que os pós-modernos (Risos). (…)”
Susana Sanches Arins: “Se desde os anos 80 tivéssemos um padrom reintegrador estou segura que a sorte do galego seria outra”
Entrevista a Susana Sanches Arins no Portal Galego da Língua:
“- Portal Galego da Língua (PGL): Qual foi a melhor iniciativa nestes quarenta anos para melhorar o status do galego?
– Susana Sanches Arins (SA): É difícil ter perspetiva, pois quase som os anos que eu tenho (47) e vêm-me à cabeça medidas tomadas tendo eu consciência delas, nom anteriores.
Suponho que a incorporaçom da língua galega ao ensino é a principal, uma medida falida polo boicote que os últimos governos do PP fizeram sobre ela. Eu sou das primeiras crianças que estudaram galego na escola, mesmo antes que outras da minha idade, acho que porque dei com uma escola sensível ao tema que colocou antes de ser obrigado o estudo da língua. E sou das pessoas, que existimos, galeguizadas na escola. Quer dizer, se falo galego é por essa atuaçom.
Anos depois acho que a do Xabarín Club foi uma medida que chegou de onde tinha que chegar aonde era necessária (da televisom pública para a povoaçom que menos usa a língua). Demostrou a força modelar que têm os meios de comunicaçom e como uma intervençom institucional pode mudar hábitos muito pessoais.
– PGL: Se pudesses recuar no tempo, que mudarias para que a situação na atualidade fosse melhor?
– SA: É claro que a questom do padrom. Acho que perdemos muita força e tempos e vontades ao afastarem (uns) o português das nossas vidas e ao ter (outres) que reivindicá-lo. Se desde os anos 80 tivéssemos um padrom reintegrador estou segura que a sorte do galego seria outra. Mesmo melhor.
– PGL: Que haveria que mudar a partir de agora para tentar minimizar e reverter a perda de falantes?
– SA: 1. Fazer das escolas espaços de imersom linguística na língua galega. Que esta seja a protagonista única da educaçom das futuras cidadãs.
2. Contar com um programa de galeguizaçom (legendagem, interpretaçom, produçom) de produtos culturais/espetáculos. Nom devera repetir-se o facto de a Disney estrear um filme em espanhol, euskera e catalão e que nom esteja em galego. Sei que isto se contradiz, em parte, com a minha ideia do reintegracionismo, pois podemos gozar desses produtos em português, mas nom o vejo incompatível.
– PGL: Que papel achas que pode ter ou tivo a criaçom literária em relaçom à normalizaçom linguística?
– SA: Poder ler na tua língua qualquer produto literário (de alta qualidade, clássicos, mainstream, de bolso) é um direito cultural básico. E para uma língua desprezada, ser protagonista naquilo que consideramos alta cultura é uma das maneiras de fazê-la digna para as suas utentes.
É claro que depois está quem detenta o poder nesses espaços, que modelo de cultura constrói e quais as prioridades editoras. Acontece o mesmo com a televisom. Acho que no seu momento a criaçom da TVG foi um fito normalizador, mas o modelo atual de televisom nom contribui a ela, pois nom está a intervir para desfazer preconceitos (nalguns afonda) nem programas para as faixas etárias que mais precisam o galego.
– PGL: Achas que seria possível que a nossa língua tivesse duas normas oficiais, uma similar à atual e outra ligada com as suas variedades internacionais?
– SA: Acho que neste momento é uma das poucas saídas que nos restam. Em 40 anos nom fizeram a jeito. Há que provar outras estratégias. Achegar-nos ao português devera ser uma delas. Também entendo que mudar o padrom, à brava, nestes momentos, nom seria o mais favorecedor para uma língua depauperada a nível social. Portanto, eliminar os atrancos às utentes dos padrons reintegracionistas e admitir estes como oficiais também seria uma soluçom. “
Mário Regueira: “A normalizaçom jogou as cartas do sentimentalismo e a nom conflitualidade e muito pouco a do conhecimento e a exigência”
Entrevista a Mario Regueira no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Qual foi a melhor iniciativa nestes quarenta anos para melhorar o status do galego?
– Mario Regueira (MR): Ao rever quarenta anos dumha mudança que inicialmente foi tam radical no status jurídico e social da nossa língua é difícil passar por alto algumhas destas novas possibilidades. Poder termos umha rádio e umha televissom pública, a incorporaçom do galego ao ensino ou a sua normalizaçom na política autonómica fôrom sem dúvida referências muito relevantes para umha língua minorada e desvalorizada polo franquismo precedente. Sem esquecer estes factos inegáveis, gosto de ressaltar também o foco popular, umha defesa que se moveu de forma muito mais horizontal e apoiada nos movimentos sociais. Quero destacá-la por duas razons: em primeiro lugar porque da mao da movilizaçom social conseguimos cousas que nom seriam possíveis desde a oficialidade: desde a consciencializaçom individual ou o facto de ganhar espaços sociais novos para a língua até a defesa doutras alternativas históricas ou normativas. A segunda razom é que funcionou e funciona ainda como um canal de exigência política necessário e muito valioso para qualquer sociedade democrática. Como dizia, é difícil valorar um período tam longo que parte dumha mudança tam grande, gosto de pensar que umha parte importante da galeguidade nom deixou de valorizar a mudança de status que se deu a começos dos anos 80, mas também conserva a consciência da relativa precariedade desses direitos e nunca baixou a guarda à hora de exigi-los nem a vontade de ampliá-los.
Gosto de pensar que umha parte importante da galeguidade nom deixou de valorizar a mudança de status que se deu a começos dos anos 80, mas também conserva a consciência da relativa precariedade desses direitos e nunca baixou a guarda à hora de exigi-los nem a vontade de ampliá-los.
– PGL: Se pudesses recuar no tempo, que mudarias para que a situaçom na atualidade fosse melhor?
– MR: Penso que a dimensom histórica da língua galega, a que nos entronca com a lusofonia, foi umha vantagem que demorou e demora ainda em ser posta em jogo com todas as suas possibilidades. É algo que nos individualiza dentro das outras línguas do Estado espanhol, mas jogamos estes anos como se esse nexo nom existisse ou aproveitando-o só desde posiçons retóricas. Acho que umha Galiza que nestes 40 anos mirasse mais para Portugal e Brasil teria ganhado muito em termos de normalizaçom linguística e estima própria. Outro ponto é como desde praticamente todos os governos autonómicos houvo umha ambiçom muito baixa a respeito da língua e da pertinência da sua exigência legal. Atitudes que fôrom desde a irresponsabilidade e um medo estratégico pouco compreensível.
Penso que a dimensom histórica da língua galega, a que nos entronca com a lusofonia, foi umha vantagem que demorou e demora ainda em ser posta em jogo com todas as suas possibilidades. É algo que nos individualiza dentro das outras línguas do Estado espanhol, mas jogamos estes anos como se esse nexo nom existisse ou aproveitando-o só desde posiçons retóricas.
– PGL: Que haveria que mudar a partir de agora para tentar minimizar e reverter a perda de falantes?
– MR: É umha questom enormemente complexa, mas sempre penso que a normalizaçom jogou de forma exagerada as cartas do sentimentalismo e a nom conflitualidade e muito pouco a do conhecimento e a exigência. Está bem defender a língua porque a falavam as nossas avós, claro que sim, é um laço ao que nom devemos renunciar, mas também temos que ser conscientes de que a maioria das nossas avós fôrom defensoras de trincheira da nossa língua sem os recursos que hoje temos. Temos o dever de melhorar o que herdamos e recuperar a memória roubada que se perde na noite dos tempos, e aí entra de novo a dimensom histórica. Ficar com a atitude rebelde das avós é também lutar por outro status social da língua, algo que devemos fazer em âmbitos aos quais a língua nunca tivo a oportunidade de chegar mais que com enorme dificuldade. Particularmente apavora a situaçom do galego na universidade após estes 40 anos, há contextos, como Medicina ou Direito onde é quase impossível receber aulas em galego e mesmo continua a haver problemas para exercer os direitos do estudantado como falantes.
– PGL: Achas que seria possível que a nossa língua tivesse duas normas oficiais, umha similar à atual e outra ligada com as suas variedades internacionais?
– MR: Sim, acho possível e recomendável, embora países como Noruega (também com duas normas) achárom que também nom era umha soluçom mágica e continuava a haver desigualdades entre as duas variedades. Mesmo assim, penso que é importante rebaixar a intensidade da questom normativa, e nom haverá convivência possível com atitudes de marginalizaçom e mesmo criminalizaçom como as que tem sofrido o reintegracionismo durante as últimas décadas. O direito a existir e a defender com liberdade umha perspetiva de futuro para o nosso idioma deveria ser o mínimo marco de convivência.”
Paula Carballeira: “Somos umha sociedade que fala muito, narra pouco e escuta menos”
Entrevista de Lara Rozados a Paula Carballeira no Portal Galego da Língua:
“Paula Carballeira é umha das mais ativas narradoras orais da Galiza na atualidade. Além disso, é poeta, romancista, dramaturga, atriz e membro desde a sua formaçom da companhia Berrobambán. Recentemente publicou na Através Editora o seu ensaio, tam certeiro para os tempos em que vivemos, E continuaremos a contar. A narrativa oral como ato de visibilidade e sobrevivência. Sobre ele falamos nesta conversa.
– Portal Galego da Língua (PGL): De que doenças pode curar-nos continuarmos a contar? Da falta de escuta, por exemplo?
– Paula Carballeira (PC): A doença fundamental que cura continuar contando é o esquecimento. Para mim, umha das doenças mais perigosas. O esquecimento apaga a identidade, as lembranças, o aprendido, as alegrias e as tristezas. Contar oferece-nos um espaço de liberdade para que se ouça o que temos a dizer, as ficçons que criamos sobre a realidade que nos rodeia, o nosso ponto de vista, único e individual, umha ponte com a comunidade, com o imaginário coletivo. Contar afasta a soidade.
A escuta é um ato de rebeldia contra um ritmo marcado, o ritmo do consumo rápido do tempo, com a produtividade mal compreendida. Quando alguém ouve umha história, pára o relógio, rompe os limites, tam delimitados, das possibilidades que som factíveis apenas por imaginá-las. A escuta dá valor a quem fala, a quem cria, a quem brinca com as palavras, faz-nos sentir responsáveis polo que dizemos e para quem o dizemos. Ouvir demonstra respeito.
– PGL: Como é contar em tempos de pandemia? Quais som os grandes reptos?
– PC: Contar em tempos de pandemia é recuperar um espaço intangível, seguro e confortável onde esconjurar os medos. A comunicaçom direta, a presença da narradora ou narrador que cria umha história olhando nos olhos do público, fai-nos recuperar a capacidade de evocar, a ilusom. Cada vez que fago umha sessom de contos, recebo um enorme agradecimento, em voz alta ou no sentir.
As máscaras cobrem o rosto, escondem esses matizes gestuais que ajudam a conformar a informaçom de se a história é bem recebida, se há algumha interferência. Da perspetiva da narradora ou narrador, o “feedback”, a resposta, fica um pouco mais escura. A distância pode-se salvar amplificando a voz, favorecendo umha boa visibilidade. O poder sugestivo dos contos vence sem problemas os dois metros ou três da distância de segurança e as palavras tocam igual, com a sutileza de um sopro de ar. Porém, quando se conta com máscara, empobrece-se a transmissom oral. O facto de nom ver os lábios dificulta a compreensom e duplica o esforço de quem narra. É fundamental poder jogar com as pausas, os silêncios, os volumes, os gestos.
– PGL: Há algum conto / história / personagem que seja para ti como um talismam, que sintas que traz sorte? Ou “palavras mágicas”?
– PC: Os contos tradicionais tenhem para mim um forte componente simbólico. Uso-os para poder recriá-los segundo os meus interesses. Por diversos motivos, o conto do Capuchinho Vermelho acompanhou toda a minha vida e a história de Barbazul, nas suas diferentes versons, representa para mim o triunfo da inteligência sobre a brutalidade. As palavras mágicas só as uso em sessons com público infantil ou familiar, para expressar a importância dessa entrada no mundo das possibilidades infinitas.
– PGL: “É importante poder transmitir ficçons que nos resgatem da nossa luta contra os medos”, dis. Necessitamos contar para fazermos frente a todos estes discursos de medo em que vivemos na atualidade? E o discurso do esquecimento, também…
– PC: Acho que nesta sociedade em que vivemos o medo está a ganhar força, precisamente porque nom nos atrevemos a falar, a contar, a dar-lhe forma.
A partir do momento em que assumimos discursos alheios, nos quais nom nos fazemos perguntas, nos que simplesmente assentimos com a cabeça e procuramos proteger-nos sem saber de quê, adotamos umha postura defensiva. Do meu ponto de vista, a narraçom oral oferece umha postura construtiva. Distanciamo-nos dos medos, pomos-lhe nome e assim volvem-se abarcáveis.
Procurar as nossas palavras para os medos resgata-nos do anonimato e, ao mesmo tempo, oferece-nos respostas para as grandes perguntas, prováveis e improváveis.
Contando recriamos. Contando fazemos-nos ouvir, damos valor à nossa voz, nom deixamos que ninguém nos silencie. Contando procuramos um caminho alternativo.
– PGL: Somos umha sociedade que escuta?
– PC: Somos umha sociedade que fala muito, narra pouco e escuta menos.”
Charo Lopes entrevista Carlos Callón | Anos 2000 – A Língua em Décadas
Xurxo Souto: “Considero o binormativismo umha proposta luminosa e inteligente”
Entrevista a Xurxo Souto no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Qual foi a melhor iniciativa nestes quarenta anos para melhorar o status do galego?
– Xurxo Souto (XS): A incorporaçom do galego ao ensino, e a criaçom de meios de comunicaçom públicos -rádio e televisom- que tenhem o galego como língua veicular.
– PGL: Se pudesses recuar no tempo, que mudarias para que a situação na atualidade fosse melhor?
– XS: Em primeiro lugar, recuperar todo o trabalho que se tinha desenvido a prol da língua antes da Guerra Civil, e que se ignorou dum jeito absolutamente interessado. Falamos dum grande esforço intelectual –com epicentro, por dizê-lo rápido, na Geraçom Nós- que procurou a criaçom dum registo culto para a língua, e que tinha como referente necessário outro registo culto do nosso idioma, ou seja o português.
Em lugar disso (isto é, a tradiçom e o trabalho que representava, como figura central, Ricardo Carvalho Calero) optou-se por recorrer diretamente à fala. Oficializou-se a norma do castelhano como norma do galego, ignorando, insisto, toda a história da língua.
Este foi o grande erro: a supeditaçom do galego ao castelhano. A partir de aqui mudaria as sucessivas políticas linguísticas que foi desenvolvendo o Partido Popular. Esta formaçom nunha acreditou, ou nom lhe interessou, que o galego chegasse a se consolidar como umha língua culta. Sempre defendeu (refiro-me aos factos, nom ao discurso) umha posiçom de dependência a respeito do castelhano. E também derrubárom muitas conquistas alcançadas anteriormente, e atrevêrom-se a situar o galego no ensino –via mandato legal – diretamente como umha língua de segunda. Falo da proibiçom expressa de utilizar o galego em determinadas matérias, como as matemáticas. Tal política nefasta para a língua continua.
Os meios públicos, a Rádio e a Televisom que deveriam ser o referente dum registo culto do galego oral, renunciam definitivamente a esse mandato. Cada vez em mais programas da sua grelha escutamos um galego popular inçado de castelhanismos. Esse é o seu modelo de língua. A leitura profunda é evidente: Nom precisamos dum galego culto, para esse tipo de contextos já temos o referente dumha língua culta: o castelhano.
– PGL: Que haveria que mudar a partir de agora para tentar minimizar e reverter a perda de falantes?
– XS: Acho que já respondim na pergunta anterior. Políticas linguísticas decididas que ponham em valor a língua, e que esta abranja todo o tipo de registos. Cada vez a gente nova fala menos galego, sabemo-lo. Mas ao mesmo tempo é o segmento da populaçom que mais valoriza a língua. O problema nom está pois na mocidade, está na preguiça das pessoas adultas que aceitam com indolência estas políticas galeguicidas.
– PGL: Achas que seria possível que a nossa língua tivesse duas normas oficiais, uma similar à atual e outra ligada com as suas variedades internacionais?
– XS: Considero-a umha proposta especialmente luminosa e inteligente. Por desgraça a possibilidade dum achegamento entre a posiçom isolacionista e a reintegracionista é mui pequena. Sobretudo porque o debate intelectual está mediatizado polo poder político que atualmente nos governa, e que apoia dum jeito decidido a primeira das posiçons. Portanto o que procede, já que devemos conhecer essa norma por “imperativo legal”, é que podamos chegar a dominar também a norma do galego internacional, isto é, a norma portuguesa.”
Camilo Nogueira: “É evidente que o galego nom vai desaparecer”
Entrevista a Camilo Nogueira no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Qual foi a melhor iniciativa nestes quarenta anos para melhorar o status do galego?
– Camilo Nogueira (CN): Nom há nada que melhorar, melhor refere-te a fala-lo. A luta que temos que dar é ir contra a ideia de o galego ser umha cousa pequerrechinha. O galego nom é pequerrechinho. Fala-se na Galiza, sabe fala-lo a maioria da populaçom galega, e ademais é internacional. A mim, estando num táxi no Brasil, perguntou-me o chofer: “e você, de que parte do Brasil é?”
O galego nom está potenciado, mas nom é que a gente decida nom falar galego. A mesma gente que nom o fala, entende-o perfeitamente, e a maioria, definitivamente, fala galego, ainda que nom seja habitualmente.
– PGL: Se pudesses recuar no tempo, que mudarias para que a situação na atualidade fosse melhor?
– CN: No franquismo a maioria dos galegos falavam galego. Sempre. Franco fodia-nos, mas a gente falava galego. Agora como algumhas crianças nom estudam galego na escola e isto nom vai mais alá… pois claro, o decreto do ensino é insuficiente, o galego deveria ser a língua veicular, como já é em muitos centros. Nom há que ficar centrado em que as crianças aqui som obrigadas a falarem em castelhano. O galego é mui falado.
Eu penso que se fala mais galego que castelhano. Em Compostela fala-se em galego, e em Ponte Vedra e em Vigo… E no Brasil também.
– PGL: Que haveria que mudar a partir de agora para tentar minimizar e reverter a perda de falantes?
– CN: Eu nom colocaria nesses termos a questom, aqui as crianças nascem falando já galego e castelhano, e essa é a melhor forma para aprenderem a falar inglês e francês. A chave é que se fale galego, e que haja umha identificaçom com o português e o brasileiro. A gente que está interessada polo galego nom tem umha dimensom real do que é, é evidente que o galego nom vai desaparecer. (…)”