Desde a Plataforma de Crítica Literaria A Sega:
“Em 1985 eu tinha onze anos. Lembro-me sentada nas escadas da casa, incomodada com o mundo, ou simplesmente com a minha irmã, e escoltada pola Rina e as suas lambetadas. Ela consolava a minha raiva e entendia perfeitamente (e dava-me a razão, é claro) o sozinha que podia sentirme. Bem, pode que não fosse a Rina e fosse a Cati, ou a Blanca. Não poderia dizer qual das três cadelas que acompanharam a minha neinice, mas em todo o caso eram lambetadas de cadela e olhos solidários que me acarinhavam nessa memória vaga que guardo de mim mesma.
Também era imprecisa a memória que tinha do Leonardo. Só sei que gostara dele mais que de Anagnórise, que aquele despertava um sorriso na lembraça entanto este suscitava uma suspeita. Por isso foi o escolhido para eu recensionar no ano de Mª Victoria Moreno. Porque eu era menina em 1985 e uma das leitoras primeiras de Leonardo e os fontaneiros.
A primeira surpresa, a estrutura esquecida. Leonardo e os fontaneiros propõe-nos uma leitura activa, na que podemos decidir o caminho a seguir. Eu, como já ando adultecida perdida, figem a leitura tradicional, lineal. Mas podia combinar de uma outra forma as três linhas argumentais: a amizade entre Leonardo e Antón, as andanças de Antón na escola, e as relações de Antón na casa. Foi aí que aprendim que as leitoras não temos por quê obedecer aquilo que as escritoras mandam? Que podiamos ser criativas no ato de ler?
A segunda surpresa, a poesia. Nem lembrava quem era Leonardo. O protagonista. O cadelo. Se uma cousa mantém vivo e vigente Leonardo e os Fontaneiros é o fundo lirismo que acolhe a narração da amizade entre neno e cadelo: – A que sabe a man dun can? Que se sente ao trabar nela? […/…] – Sabe a millo torrado. Os pés tamén lles cheiran a millo torrado a tódolos cans. E é peludiña, esbara entre os dentes. São sem dúvida os melhores trechos do livro, e eu pergunto-me se seria neles onde eu aprendim a entender[-me] a Rina, a Cati, a Blanca. Onde reparei que não era bom ser especista.
A outra surpresa, a escola. As aventuras dos fontaneiros (novamente deslembrava o sentido do título da narrativa) são assim tão inocentes e divertidas como podem ser as de qualquer criança de hoje. Lembro-me com os meus irmãos libertando ratinhos (meus pobres!) que mamá nos pedia matar. Igual que os fontaneiros com as ratazanas. Solidariedade animalista total. Seria aí que a aprendemos?
E a ausência de happy end. Surpresão numa narrativa para crianças. A morte tem presença na vida das protagonistas e assalta, como bandoleira, a estabilidade de Antón, a tranquilidade das pubescentes tardes, mostrando que crescer é assumir a sua companha constante. Seria aí que aprendim que a melhor amiga da vida não é outra que a morte? (…)”
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Compostela: lanzamento de DdoOLer (2007-2014), con Susana Sánchez Arins
A segunda feira 25 de maio, de 20:00 a 21:30 horas, na Ciranda (Rúa Travesa, 7) de Santiago de Compostela, terá lugar a presentación do libro DdoOLeR (2007-2014). 8 anos celebrando o Dia da toalha na Galiza, publicado por Através Editora, coa presenza da madrinha do DdoOleR 2015, Susana Sánchez Arins.
Cuestionario Proust: Susana Sánchez Arins
Desde o blogue de Ramón Nicolás, Caderno da crítica, este Cuestionario Proust a Susana Sánchez Arins:
“1.– Principal trazo do seu carácter?
– O humor (muitas vezes sem sentido, mas que lhe vou fazer).
2.– Que calidade aprecia máis nas persoas?
– A afabilidade.
3.– Que agarda das súas amizades?
– Que não sejam exigentes no conceito de amizade (pobre de mim, se não).
4.– A súa principal eiva?
– A nugalha.
5.– A súa ocupación favorita?
– Vista a resposta quatro: fazer nada.
6.– O seu ideal de felicidade?
– A vida que levo mas sem as ânsias das injustiças que me envoltam (impossível, ló).
7.– Cal sería a súa maior desgraza?
– Nunca sabes como vas levar os golpes da vida, mas sempre penso que qualquer acidente/doença que me dane o cérebro (dos meus órgãos, o predileto).
8.– Que lle gustaría ser?
– Prémio Nóbel de literatura (mas sou ciente de que as minhas eivas -veja-se questão 4- dificultam o caminho).
9.– En que país desexaría vivir?
– Há tempo que fez a escolha. Vivo em Arcos de Arriba.
10.– A súa cor favorita?
– A lila de lilith ;)
11.– A flor que máis lle gusta?
– Houvo um tempo em que fui super-ulex, pola chorima do tojo, mas hoje tenho preferência polas gardénias e o seu ulido.
12.– O paxaro que prefire?
– A garça que pousa na bateia, indiferente ao rumo das dornas.
13.– A súa devoción na prosa?
– Como boa apóstata, não me vão as devoções: leio de todo. Agora ando com Chimamanda Ngozi Adichie.
14.– E na poesía?
– Pois na poesia não leio de todo: resiste-se-me a barroquizante. Adoro Wisława Szymborska.
15.– Un libro?
– Um só? A toupeira que não sabia quem lhe fizera aquilo na cabeça.
16.– Un heroe de ficción?
– Orlando, da Virgínia Wolf (mas é homem? é mulher?).
17.– Unha heroína?
– Karana, a rapariga d’A ilha dos golfinhos azuis.
18.– A súa música favorita?
– Estes dias, Martírio.
19.– Na pintura?
– Adoro as mulheres afoutas de Artemisia Gentileschi.
20.– Un heroe ou heroína na vida real?
– Heróis? heroínas? Pessoas que defendam o direito de todas a viver com dignidade. por exemplo, N. Manimekalai.
21.– O seu nome favorito?
– Qualquer nome “feio” do que acabe gostando pola pessoa que o embelece: Ubaldina, por exemplo.
22.– Que hábito alleo non soporta?
– A intransigência com os hábitos alheios.
23.– O que máis odia?
– Assim, em geral? O tomate, e o suco das uvas. Aaahhhggg!
24.– A figura histórica que máis despreza?
– Aznar parece-me um tipo desprezável e desprezível, mas nem sequer entra na consideração de figura histórica (toma desprezo!).
25.– Un feito militar que admire?
– A deserção de Ramiro e Elias (Elías Rozas Álvarez e Ramiro Paz Correa).
26.– Que don natural lle gustaría ter?
– A boa vista (sou míope).
27.– De que maneira lle gustaría morrer?
– Passados os oitenta e cinco anos, tranquila, ciente e sem dor. Com tempo para as despedidas.
28.– Cal é o seu estado de ánimo máis habitual?
– A calma.
29.– Que defectos lle inspiran máis indulxencia?
– Os da neinice nas meninhas, os da adolescência nas adolescentes, os da adultez nas adultas e os da velhez nas velhas. Qualquer alteração na ordem vira-me intransigente.
30.– Un lema na súa vida?
– O meu corpo, a minha festa.”
#EuSonRosalía: Susana Sánchez Arins
Co cancelo #EuSonRosalía a Asociación de Escritoras e Escritores en Lingua Galega propón celebrar o Día de Rosalía de Castro 2015 convidando os centros escolares, institucións, movemento asociativo, persoeiros da cultura galega e a todos os particulares que se quixeren sumar, a realizaren actividades encamiñadas a afondar na diversidade temática da obra rosaliana, de modo que cada persoa descubra con cal das múltiples sensibilidades da autora se sente máis identificada, e así poder comunicárnolo gravando en vídeo unha frase que comezaría por “Eu son Rosalía porque/cando/para…”
A idea é que os lugares nos que se filme esa breve declaración, de contido libre e persoal, sexan escenarios da vida cotiá, de ser posíbel, especialmente os ámbitos laborais, en conexión con boa parte da poesía rosaliana, vinculada ao traballo e á vida diaria.
Envíanos o teu vídeo ou a ligazón ao mesmo a oficina@aelg.org!
Entrevista a Susana Sánchez Arins
Entrevista a Susana Sánchez Arins na revista Palavra Comum:
“- Palavra Comum (PC): Que supõe para ti a literatura?
– Susana Sánchez Arins (SSA): Uma parte imprescindível de mim, de nós. Se não a tivesse, teria que inventá-la. Em realidade isso é o que levamos a fazer desde que somos humanas. Gosto dessa teoria a defender que a nossa área de Broca cerebral desenvolve a um tempo a capacidade linguística e a de manipular objetos com a mão direita. E aquela que associa sermos bípedas com o desenvolvimento do aparato fonador. Somos humanas porque fabulamos. Fabulamos porque somos humanas. E eu tenho-me por mui humana.
– PC: Como entendes o processo de criação artística?
– SSA: Pois sou mui materialista nesse assunto. Entendo-a como um processo de produção, um trabalho que manufatura objetos, artefactos. Em troca de utilizar como matéria prima o coiro, a madeira ou o papel, recorre ao coiro, à madeira ou ao papel, mas para outra cousa. No campo da literatura a matéria prima é a língua, a palavra, e o nosso trabalho consiste em repuxá-la, talhá-la ou tingi-la para expor a nossa maneira de ver o mundo, denunciar realidades que nos desgostam, propor alternativas de qualquer tipo, ou, simplesmente, jogar. Bom, talvez jogar seja o trabalho mais importante que devamos fazer com a palavra.
[Não gosto nada da palavra criação. Percebo-a com tal hálito de divindade, de superioridade, que para mim deriva em halitose. Achega-me à concepção da artista como a Elegida que vê onde as demais não vemos, o qual limita a acessibilidade à arte das pessoas não elegidas, que somos a maioria]. (…)
– PC: Que caminhos (estéticos, de comunicação das obras com a sociedade, etc.) estimas interessantes para a criação literária hoje -e para a cultura galega, em particular-?
– SSA: A nível estético penso que o caminho libertário é o melhor e é já um caminho aberto: penso que há grande diversidade de vozes e maneiras de fazer na literatura, independientemente da sua visibilidade. Se revisamos os títulos de poesia publicados no ano passado, por ponher um exemplo, resultaria-nos mui difícil, creio, estabelecer uma continuidade estética. Há de todo, como em botica, e isso é bom, porque assim todas podemos encontrar ligações com os nossos gostos e interesses.
Onde vejo eivas é no campo da visibilização, quer dizer, essa variedade que creio que sim existe, não é percebida pola comunidade leitora. Porque onde falhamos é na comunicação. E não só é um problema institucional (que também, com esse absoluto abandono da administração de bibliotecas e promoção livreira). As próprias escritoras temos hoje em dia uma cheia de recursos, antes inacessíveis (quem podia editar o seu próprio booktrailer e difundi-lo sem serem conhecidas numa canle de televisão?, p. e.), que não aproveitamos ao 100% para reduzir a distância com o nosso leitorado. (…)”
Estar no alho ou não estar, that’s the question!, por Susana Sánchez Arins
Artigo de Susana Sánchez Arins na Plataforma de Crítica Literaria A Sega:
“(…) Letras nómades [edición de Ana Acuña] reflexiona sobre a mobilidade feminina na literatura galega. É uma obra de carácter académico mais, como esta recensão, furta-se à ideia que podemos ter de trabalho teórico para construir-se como uma outra cousa, sem nome definido e, isso sim, um degrau mais acima.
As autoras pretenderom não só analisar um tema literário específico mas motivar a reflexão e a escrita nas próprias escritoras escolhidas, de modo que, no mesmo acto de estudar a literatura, promoverom a produção de textos. Abandonam assim o âmbito do estudo filológico de gabinete para estimular a actividade criativa com a sua iniciativa. O estudo de textos explicitamente solicitados às criadoras, nos artigos de Carmen Mejía, Manuela Palacios e María Xesús Nogueira rompem com o pré-conceito do texto canônico e públic(ad)o como objecto de estudo.
Porém não é esta, para mim, a aportação mais importante do volume, mas o especial interesse na documentação de vidas pequenas, de memórias privadas, de deslocamentos do quotidiano. Convencidas de que as mulheres ficaram ocultas nas narrativas de viagem por não ter sido a sua mobilidade épica ou heroica, ou por ter vedado o acesso aos meios de expressão, buscam maneiras alternativas de aceder às suas histórias de vida (não é outra cousa a memória que uma ficcionalização narrativa), desde o recordo familiar, até as testemunhas, passando polos documentos pessoais: a emigranta, a fugida, a nodriça, a guerrilheira, a mãe do fuzilado, todas encontram assim o seu lugar no livro, na nossa memória. O depoimento oral tem especial importância em todos os artigos do volume, assim como o contato emocional com as protagonistas e autoras (obteriam sem ele as mesmas informações para os seus artigos Aurora Marco ou Olivia Rodríguez?). Mmmm, outra vez a assepsia em questão… (…)”
O nacionalismo que não ama(va) as mulheres, por Susana Sánchez Arins
Artigo de Susana Sánchez Arins na Plataforma de Crítica Literaria A Sega:
“Helena Miguélez-Carballeira faz um percorrido, em Galiza, um povo sentimental?, pola história do nacionalismo galego e de como tal história foi narrada, para pescudar nessa narrativa (lembrai que narrar outra cousa não é que fabular) as ideias, o imaginário sobre o qual foi construído o discurso nacional. Amedida que o estudo avança vai-nos mostrando como a imagem de nós mesmas foi configurada polo colonizador e como o nacionalismo galego foi (auto-)retratando(-se) Galiza en função da imagem que d@s galeg@s espelhava o nacionalismo espanhol. Na Espanha a Galiza era representada duma maneira e os galegos (sim, elEs) recolhiam a luva da provocação e procuravam uma pintura que fosse uma resposta. Enfim, não somos outra cousa que um sujeito subalterno, que diria Gayatri Spivak.
A problematização para as mulheres aparece quando desde as espanhas é associado o mito das origens célticas ao modelo da imoralidade e a indecência. Sempre, em qualquer situação de conflito entre comunidades, a arma mais eficaz é sexualizar as mulheres (pág. 43) e ligar a decência da comunidade à daquelas. Apartir deste feito, Miguélez-Carballeira dá conta, recorrendo textos literários, políticos, jornalísticos, da existência de um contínuo diálogo entre um nacionalismo e outro, e também entre as diferentes correntes do galeguismo. Este diálogo en conflito, cheio de fios e meadas, origina uma complexa trama na que os tropos são contrastados, rectificados, adaptados ou suavizados en função de interesses e circunstâncias. Mas sempre ficando nós, as mulheres, subalternas perdidas.
Nesta retórica de ataques, ridículos, de exclusão e inclusão entre tírios e troianos é estabelecido um claro diferencialismo sexual, no que o elemento racional, viril, valente, afouto é tomado positivamente e aquele sentimental, feminino, submisso e medroso é arrojado como despreço na face do contrincante. Toda uma série de elementos se configuram em volta destes dous pólos como constelações: do racional imos ao público e ao político, do sentimental, ao privado e ao poético. Perante o modelo de mulher (Galiza) indecente, é criado um modelo de mulher (Galiza) modesta, obediente, sentimental. Perante o modelo de mulher (Galiza) submissa, é criado o modelo da Galiza (mulher) viril, e são rejeitadas as atitudes femíneas, sentimentais das correntes en competência. Em função destes modelos é interpretada, revisada, corrigida e readaptada a figura de Rosalia de Castro, a mulher (Galiza) mito.
Assim, por exemplo, a autora mostra no capítulo III como os moços das Irmandades se auto-erigem em nacionalistas políticos fronte ao regionalismo sentimental que defendem (dizem) pessoas como Couceiro Freijomil e chegam, nos seus artigos de opinião e palestras, a igualar a ideia de fazer política com a de se fazer homem. Estes tropos virilizadores tenhem continuidade ao longo de todo o século XX, estorvando tanto a presença de mulheres no campo da política1 como o surgimento de um pensamento feminista autónomo dentro do próprio nacionalismo.
Neste sentido gostamos especialmente do capítulo que Helena Miguélez-Carballeira dedica a Carvalho Calero, mais que pola análise, cremos que certeira, da sua obra desde uma perspectiva feminista, pola clarificadora exposição do seu rol assombrador sobre a primeira geração de críticas feministas galegas, empeçadas no seu trabalho pola atitude paternalista e fiscalizadora adoptada para com elas polo professor.
Galiza, um povo sentimental? é uma boa prova de como a asunção das metodologias críticas feministas podem deitar luz, abrir portas e questionar a configuração do imaginário cultural, ideológico e político de um país. Ou de como todo isso, gênero, cultura, política, está tão entramado que só uma olhada feminista pode ajudar a perceber o ponto com que é tecido. Ou de como devemos revisar as nossas histórias cultural e literária para desvendar a força que na sua configuração teve o sexismo. Ou de como, sempre, a melhor arma contra qualquer inimigo de qualquer caste é denigrar as mulheres. E de como, antes que em matar o pai, o nosso futuro está em matar o patriarcado.”
Pontevedra: presentación de Dominio Público, de Ramón Neto, e Ode à Madison Ivy, de Verónica Martínez Delgado
Compostela: presentación de Letras nómades, coordinado por Ana Acuña, e homenaxe a Begoña Caamaño
O venres 21 de novembro, ás 20:00 horas, na Libraría Lila de Lilith (Rúa Travesa, 7) de Santiago de Compostela, preséntase o libro Letras nómades. Experiencias da mobilidade feminina na literatura galega, coordinado por Ana Acuña, e editado por Frank & Timme. O acto, que contará coa presenza da coordinadora do volume, así como das colaboradoras Manuela Palacios, Olivia Rodríguez, María Xesús Nogueira e Susana Sánchez Arins, finalizará cunha lectura colectiva do texto Viaxar para ler o mundo. Viaxar para lerme, de Begoña Caamaño, incluído no volume.
Das filhas bravas ou das cantigas acendidas, por Susana Sánchez Arins
Artigo de Susana Sánchez Arins desde a Plataforma de Crítica Literaria A Sega:
“(…) E uma tarde do mês de julho assomou, na eira de Solheiros, no Esteiro de Muros, cantada polas filhas bravas de Chévere. Porém já não era um canto alegre e dançável, já não se aparecia como engenhosa sedução mas como luita calada entre forças desiguais. Porque As Filhas Bravas decidirom que fazia parte duma regueifa entre um abusador sexual e a sua vítima, mulher à que quiçás não lhe reste mais que o seu engenho literário para se defender, ou, quando menos, para deixar pegada da agressão. A regueifa resultou seca, brutal, e foi acompanhada com um duro silêncio polas mesmas espectadoras que segundos antes riavamos a cachão. Quantas dessas espectadoras não se sentiriam identificadas com a voz feminina que se defende como pode? Não sei, porém em mim esse silêncio na eira ainda ecoa.
Essa é a força do novo espectáculo de Chévere, a mudança (ou a inclusão, melhor) do foco no tratamento das cantigas tradicionais, contextualizadas desde uma perspectiva de gênero. As ventureiras protagonistas, filhas das silveiras, definem-se como mulheres livres, donas de si e da própria sexualidade e convidam às presentes a conhecer toda a simbologia que oculta, ou desvenda para quem saiba interpretar, o cancioneiro tradicional. A obra está dividida em três partes, nas que as protagonistas fam um recorrido por jotas e moinheiras, maneos e regueifas dando sentido aos elementos sexuais latentes nos versos, cantigas de tom acendido, esclarecidas com grande humor polas três marias que presidem o cenário. E não descrevem uma sexualidade capada para fazê-la acesível a qualquer público, mas uma sexualidade aberta e impúdica e, sobre todo, gozosa e autónoma. (…)”