Entrevista a Lorena López en Praza:
“(…) – Praza (P): O livro começa falando do “boom das narradoras”, que em realidade é uma correção incompleta de uma situação inicial de grande desequilíbrio. Por que não podemos falar sobre paridade ou igualdade em geral?
– Lorena López (L): Embora a situação tenha melhorado muito, os dados não mostram que haja paridade no número de publicações. A visibilidade e a forma como é gerida são mais difíceis de medir, mas ainda existem miragens na questão da visibilidade das autoras. Em todo o caso, a presunção de que ser escritora implica automaticamente entrar na margem literária não ajuda o debate atual também. Felizmente, existem exemplos que provam o contrário.
– P: A abordagem que escolhes é a da invisibilidade, apesar de tudo, de certas narradoras. Partes do conceito de margem. Como se relaciona esse conceito de margem com a oposição centro/periferia ou hegemonia/subalternidade?
– L: Que não seja possível fazer essa equivalência imediata entre as escritoras e a margem, não significa que não existam dinâmicas sócio-literárias que as afetem em particular. No entanto, o conceito de margem, tal como o desenvolvo no livro, não se refere a um espaço único ou homogêneo. Uma das chaves da minha leitura, seguindo Helena González, é que essa visão já é insuficiente quando se fala da situação das narradoras no campo literário galego atual.
Acredito que é preciso entender as margens mais como um conceito dinâmico, constantemente em tensão, que não se dá apenas na dicotomia centro/periferia ou hegemonia/subalternidade. Com essa ideia, entendo essas invisibilidades como pontos cegos que também podem existir naqueles discursos e repertórios que ocupam posições centrais. Por exemplo, a questão nacional ocupa uma posição central, mas há abordagens literárias que permanecem fora dessa área visível. A questão nacional foi canonizada no campo literário galego de forma que esquiva conflitos e problemas que questionam o quadro político autonómico.
– P: A ideia de partida é que existem pontos cegos no processo de canonização da narrativa de autoria feminina, basicamente por quatro motivos: a escolha de uma normativa reintegracionista, a escolha de um género minorizado –a ficção científica–; uma literatura feminista e experimental que questiona certos aspetos do discurso nacional ou uma literatura que trata de questões polêmicas do mesmo, como a luta armada. Por que esses quatro casos?
– L: A escolha de casos e pontos cegos é significativa, mas não exaustiva. Deve ainda ter-se em conta que esta análise se aplica a umas coordenadas temporais e isto implica que devemos fazer um seguimento da evolução de todas estas questões. Não têm por que ser as mesmas no futuro. (…)”
Arquivos da etiqueta: Através Editora
Vigo: Livro Alheio. Antologia de traduções de Haroldo dos Santos, de Ígor Lugris e Xandra R. Grey
Entrevista de Diego Rivadulla a Lorena López López arredor de Ainda invisíveis
Desde New Books Network:
“Un dos fenómenos destacados de maneira recorrente pola crítica a respecto do campo literario galego do século XXI é a crecente visibilidade das mulleres narradoras. En Ainda invisíveis? Narradoras e margens na literatura galega contemporânea (Através Editora, 2022), a filóloga e poeta Lorena López López pon en cuestión esta diagnose e coloca o foco en catro escritoras que, por motivos diversos, ficaron nas marxes dese boom da “literatura feminina” ou “literatura feminista”. As propostas de Margarida Ledo Andión, Patricia Janeiro, Cris Pavón e Teresa Moure, segundo este libro analiza, non só foxen das anteditas etiquetas, senón que xeraron tensións no campo cultural galego ao proporen modelos narrativos alternativos que cuestionaban o discurso hexemónico sobre a narrativa das autoras, pola incorporación ben de repertorios temáticos incómodos, ben de estéticas vangardistas ou ben de xéneros minoritarios como o gótico e a ficción científica dura. Este ensaio bota luz sobre os “puntos cegos” da interacción entre o discurso feminista e o discurso nacional xurdida das obras das mencionadas narradoras e pon de manifesto algunhas dinámicas conformadoras do sistema literario galego, ao tempo que propón unha profunda reflexión sobre os mecanismos de canonización ou de subalternidade. A entrevista pode escoitarse aquí.”
A Coruña: Javier Vázquez Costa presenta “Para vós, jogadores”. As masculinidades nos videojogos
Compostela: presentación de A UPG em Portugal e alguma coisa mais, de Luís Gonçales Blasco, Foz
Pontevedra: Culturgal 2022, do 24 ao 27 de novembro
Lugo: presentación de Livro Alheio, de Igor Lugris e Xandra R. Grey
Xandra R. Grey e Igor Lugris: “Haroldo dos Santos deixara a Antologia muito bem estruturada e organizada, mas não completamente fechada”
Entrevista a Xandra R. Grey e Igor Lugris no Portal Galego da Língua:
“(…) – Portal Galego da Língua (PGL): Essa é uma das questões fulcrais deste livro. Quanto dos fragmentos publicados é obra das suas respetivas autoras e autores e quanto é criação, ou transcriação, de Haroldo?
– Xandra R. Grey (XRG): Não há uma resposta simples para essa pergunta. Haroldo sempre procurou ser muito respeitoso e honrado com as autoras e autores a traduzir e, especialmente, com os seus textos. O dicionário diz que o respeito é o sentimento que nos impede de fazer ou dizer cousas desagradáveis a alguém, e a honra é o sentimento do dever da dignidade de da justiça. E, com certeza, essas foram sempre ideias-força, palavras de ordem poderíamos dizer, que Haroldo sempre teve presentes, em todas as facetas da sua vida. Antes de iniciar um trabalho de tradução, e quando a autora ou autor estava ainda vivo, ou estavam ainda vivas as pessoas mais próximas que os conheceram, sempre procurou falar com elas e explicar como era que ele entendia o processo de tradução. E nunca, que nós saibamos, teve um desencontro, uma discussão nem uma polémica com elas por esse trabalho. Certo que em ocasiões houve críticos ou académicos que discordavam do seu trabalho, ou mostravam publicamente o seu desacordo com alguma das suas traduções; mas isto Haroldo sempre o entendeu como uma questão natural e normal, mesmo positiva em algum momento. Dito isto, é que podemos dizer com claridade que no trabalho de Haroldo o texto original e o texto traduzido sempre são um mesmo texto e dous textos diferentes. Ele levava até as últimas consequências a convicção, recolhida de Alberte Fabri (como explicamos na introdução do livro), de que as obras artísticas não significam, mas são.
– Igor Lugris (IL): Com efeito. Haroldo defende que é impossível na literatura separar significado e significante, continente e conteúdo, pois são completamente independentes e absolutamente dependentes. A informação estética, dirá em vários dos seus textos teóricos, é na obra literária igual de importante e primordial que a informação semântica, e, insiste, a informação estética é intraduzível: unicamente é que pode ser transcriada. A transcriação é para Haroldo um exercício que deixa fora elementos chave na criação, como pode ser a procura da originalidade ou as marcas (léxicas, sintáticas, mesmo semânticas) que refletem uma voz pessoal e distinguível. Marcava uma fina pero sólida linha entre a criação e a transcriação: nos seus textos próprios, procurava a sua voz, o seu estilo, mas nos trabalhos de transcriação procurava “ser” um outro autor, o mais próximo possível do autor ou autora original. Em mais de uma oportunidade explicou que a sua pretensão era “ocupar” a personalidade do autor original, mas transmutado em falante de português. Não sempre lhe resultou fácil. Olhemos para o fragmento de Pierre Menard recolhido na Antologia: “A originalidade é impossível / e só possível por ser / com certeza / mentira”. Toda uma declaração de intenções por parte de Haroldo.
– XRG: Podemo-lo ver, por exemplo, com um dos textos da Antologia. O texto de Anne Mary Morrisson (que Haroldo traduz em 1977), é deliberadamente confuso e incompreensível no original inglês. A estrofe final é especialmente obscura, e Haroldo, que não gostava especialmente do hermetismo ininteligível, opta por manter essa dificuldade: qual é a diferença entre ser incompreendido e ser não compreendido? O poema original vai oscilando entre “misinterpret” e “misunderstood” e Haroldo decide complicar deliberadamente o texto, para achegar-se à pretensão da autora. A tradução final foi aplaudida pola própria Anne Mary Morrison, que uns anos mais tarde modificará o seu texto para recolher em parte a interpretação de Haroldo.
– PGL: Qual é a vossa opinião sobre o resultado da Antologia? Achades que Haroldo estaria satisfeito com o Livro alheio?
– IL: Eu penso que sim, estou convencido. Todo o tempo que Xandra e eu dedicamos a esta edição serviu para conhecermos em profundidade a Haroldo: como tradutor, como autor, como artista, como pessoa… Em algum momento de todo este processo, mesmo fazíamos piadas sobre que realmente estávamos a nos converter em uma só pessoa: por momentos, parecia que Haroldo, Xandra e eu éramos um só, uma pessoa diferente, independente e consciente da sua existência. E isso foi porque conseguimos introduzir-nos dentro da obra de Haroldo. Mesmo poderíamos dizer que dentro de Haroldo. Chegamos a reproduzir a sua técnica de trabalho e realmente, como ele fazia, “ocupamos” a sua personalidade.
– XRG: Estou convencida de que tanto Igor como eu tivemos realmente problemas em algum momento para distinguir as nossas personalidades: é por isso mesmo que decidimos assinar o trabalho conjuntamente e não distinguir a parte de um da parte da outra. Todo foi feito em conjunto, revisado, repassado, corrigido, modificado… até chegarmos a ser uma única voz com quatro mãos. Direi mais: até chegar a ser uma única voz com seis mãos, de contarmos também com as de Haroldo. É por isso que fechamos assim a nossa introdução, convencidos de ter elaborado entre os três um livro de livros, um poema de poemas, uma voz de vozes. (…)”